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Presidente continua com discurso sobre meio ambiente descolado da realidade

Pablo Pires Fernandes

Não é a primeira vez e nem será a última que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) volta a se apoiar em discursos sem fundamentos para justificar problemas de seu governo. A prática tem sido uma constante desde que assumiu a Presidência e se apoia em uma visão eleitoreira e populista de agradar seus apoiadores e a máquina bem estruturada de seguidores nas redes sociais. É a tática do negacionismo, usada para se afastar de qualquer culpa ou qualquer erro de sua gestão no governo federal.

Foi assim com a cloroquina para o tratamento da Covid-19, que ele seguiu defendendo, mesmo diante da ausência de qualquer comprovação científica sobre sua eficácia. Foi assim nesta segunda-feira (23), ao culpar estados e municípios pelo fato de haver cerca de 6,86 milhões de testes de Covid-19 perto de perder a validade. No entanto, os testes estão sob a guarda do Ministério da Saúde.

Na área ambiental, porém, o negacionismo de Bolsonaro continua insuperável. Depois de questionar os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) sobre queimadas e desmatamento, de fazer a defesa de garimpeiros e fazer declarações preconceituosas contra os povos indígenas, de comprar briga com o governo francês, o presidente volta à carga.

Nesta segunda-feira (23), Bolsonaro voltou a defender a utilização do “boi-bombeiro” como saída para reduzir os incêndios no Pantanal. “Fogo lá no Pantanal. No passado, a gente podia deixar o boi comer o capim acumulado, agora não pode mais. Então, acumula uma massa vegetal morta muito grande e, quando vem o fogo, incendeia e o negócio é uma barbaridade. É o boi-bombeiro. Quando fala, é galhofa. O pessoal que nunca pisou no capim falando mal do produtor rural”, afirmou Bolsonaro ao conversar com apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada.

Mas não é apenas o presidente que mantém este discurso. Em outubro, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, eximiu o governo de culpa pela disparada das queimadas no Pantanal e defendeu a criação de gado na região para reduzir a “massa orgânica”. Salles defendia uma proposta feita dias antes pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que também disse que a ampliação das áreas de pastagens reduziria as queimadas. “Se nós tivéssemos um pouco mais de gado, o desastre teria sido menor”, disse a ministra, na ocasião.

A estratégia defendida por Bolsonaro e seus ministros é rechaçada por diversos especialistas e organizações socioambientais. Não existem dados científicos que sustentem a tese de que focos de incêndio possam variar conforme aumento o tamanho do rebanho no Pantanal.

O ano de 2020 é o pior de toda a série histórica, iniciada em 1998, pelo Inpe, que mede o número de focos de incêndios em todo o país. Entre 1º de janeiro e 22 de novembro, o Pantanal já acumula 21.812 focos de incêndio, mais do que o dobro do verificado nos 12 meses do ano passado, quando foram registrados 10.025 focos no bioma. Ainda com dados parciais, 2020 já equivale à soma dos focos verificados nos quatro anos anteriores. Os meses de novembro e dezembro tendem a registrar um volume menor de fogo, por causa das temporadas de chuva.

‘Críticas infundadas’

Também nesta segunda, Bolsonaro voltou a negar que a produção do agronegócio afete a preservação da Amazônia. O mandatário repetiu que países estrangeiros têm um “objetivo comercial” em relação à preservação do bioma. “Não é da forma como eles dizem que nós tratamos (o agronegócio). Forma mentirosa, que nós tocamos fogo em tudo. Nós não plantamos na Amazônia. E criticam falando que estamos fazendo derrubada na Amazônia. Críticas infundadas, têm objetivo comercial”, afirmou.

De acordo com Bolsonaro, o interesse de outros países não é na floresta, mas sim no que está “debaixo da terra”. “Agora o que o mundo vê na Amazônia? Vê a floresta? Se for a floresta nós estamos prontos para fornecer mudas para eles para reflorestarem seus países. Está de olho no que tá debaixo da terra”, afirmou hoje aos apoiadores.

Na sequência, citou o interesse de concorrentes internacionais no ramo de produção agrícola como base para às críticas à política ambiental brasileira. “Por que tanta crítica ao Brasil? É o comércio, o agronegócio. Nós somos uma potência na exportação de commodities do campo e eles querem cada vez mais que nós venhamos a produzir menos para não prejudicar o seu mercado lá fora”, declarou.

No domingo (22), durante reunião do G-20, Bolsonaro defendeu a política ambiental do país e criticou “frases demagógicas”. Em seu discurso, afirmou que iria apresentar a “realidade dos fatos”. “Ao mesmo tempo em que buscamos maior abertura econômica, estamos cientes de que os acordos comerciais sofrem cada vez mais influência da agenda ambiental”, reconheceu. Ele afirmou que a revolução agrícola no país “foi realizada utilizando apenas 8% de nossas terras”. “Por isso, mais de 60% de nosso território ainda se encontra preservado com vegetação nativa”, disse.

No entanto, apesar de os dados gerais serem corretos, o presidente simplesmente deixa de lado o contexto, ao desconsiderar a trajetória crescente de desmatamento dos últimos anos, que, consequentemente, resultou no aumento enorme nas queimadas. “O que apresento aqui são fatos e não narrativas”, afirmou, sem dizer claramente a quem se referia. Mas, ao considerarmos o contexto – não citado por Bolsonaro – trata-se de uma falácia, como tem sido boa parte dos discursos desde que assumiu o governo.

Com os quadros profissionais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) reduzidos e sem condições de fazerem o combate dos incêndios nas florestas, os observadores internacionais e nacionais, obviamente, não engolem tais falácias.

Investidores internacionais já ameaçaram retirar recursos do país, caso o governo brasileiro não amplie a proteção ambiental. Algumas cadeias varejistas gigantes, principalmente da Europa, também têm condicionado a continuidade das compras de produtos brasileiros a certificações de origem das matérias-primas.

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