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Prefeitura de SP gastou 7,4% do orçamento previsto para redução da população de rua nos últimos 2 anos

Para João Batista, de 52 anos, que vive nas ruas do Centro de São Paulo, os três primeiros meses da pandemia foram os mais duros. As doações sumiram. E agora, quase um ano depois, ele vê aumentar o número de assaltos a quem já tem tão pouco: “A entrada deste ano foi violenta, fui roubado várias vezes”. Para se proteger e preservar seus pertences, João adotou um filhote de cachorro – a intenção é treiná-lo.

Em 2019 e 2020, a Prefeitura de São Paulo gastou só 7,4% do que estava previsto no Plano de Metas da cidade para ações de redução da população de rua. Segundo relatório divulgado em 16 de dezembro pela gestão Bruno Covas (PSDB), foi investido R$ 1,6 milhão do total de R$ 21,8 milhões do orçamento reservado, em tese, para esta meta específica (leia, abaixo, mais sobre o Plano de Metas).

O valor inferior foi registrado antes e também durante todo o período de crise provocada pela pandemia do coronavírus, já em 2020, quando houve uma percepção pelos movimentos sociais de aumento de pessoas em situação de rua.

“A gente viu que aumentou muito, não foi pouco. Na pandemia, teve e estão tendo muitos despejos, mesmo com orientação da ONU contra”, disse Anderson Miranda, coordenador do Movimento Nacional de Luta em Defesa da População em Situação de Rua.

O Censo mais recente, divulgado no início do ano passado, apontou que havia na cidade mais de 24 mil moradores de rua.

A Prefeitura sobre a justificativa para não ter executado o orçamento completo previsto para a redução da população de rua nos últimos dois anos. A gestão municipal afirmou que as ações previstas no Plano de Metas foram prejudicadas pela mudança de cenário ocasionada pela pandemia, mas não explicou por que deixou de aplicar.

Em nota, a Prefeitura afirmou ter gasto, no geral, R$ 3 bilhões em ações para o enfrentamento da pandemia em 2020, mas não detalhou quanto desse montante foi destinado especificamente para a população de rua.

Afirmou ainda que ampliou os serviços oferecidos para essa população durante a pandemia, citando ações que não estavam previstas no Plano de Metas, como atendimento médico, distribuição de marmitas e cestas básicas, kits de higiene e disponibilização de locais para banho, além de lavanderias (leia trechos da resposta no final da reportagem).

A pandemia continua com números altos em São Paulo, e a cidade registra piora no número de mortes, casos e internações em 2021.

A Prefeitura não divulga regularmente quantos moradores de rua foram contaminados ou morreram de Covid-19. Em agosto, dados mostraram que o coronavírus infectou ao menos 286 moradores de rua e matou 30.

Morador em situação de rua dorme ao lado de tapume no Lardo do Paissandu, Centro de São Paulo, na tarde do dia 8 de janeiro — Foto: Marcelo Brandt/G1
Morador em situação de rua dorme ao lado de tapume no Lardo do Paissandu, Centro de São Paulo, na tarde do dia 8 de janeiro — Foto: Marcelo Brandt/G1

Plano previa criar 2 mil vagas em repúblicas

Os dois objetivos voltados à população de rua previstos no Plano de Metas eram a criação de 2 mil vagas em repúblicas para acolhimento e aumento de 40% na “taxa de saída” (termo que se refere às pessoas que conseguem deixar a situação). Segundo o relatório, nenhum dos dois foi alcançado.

De acordo com o documento oficial publicado em dezembro, foram criadas 1.360 vagas de acolhimento – e outras 1.192 ainda estavam sendo implementadas. Já em relação à porcentagem de saída, o documento aponta 648 saídas com autonomia, o que representa um aumento de 16% em dois anos.

“Foram abertos, no primeiro semestre de 2020, 12 novos Centros de Acolhida, totalizando 1.080 vagas. Considerando que os idosos estão no grupo de risco para o novo coronavírus, foram disponibilizadas 250 vagas de acolhimento para idosos, em cinco hotéis”, diz o relatório.

Relatório do Plano de Metas da cidade de São Paulo publicado pela Prefeitura em dezembro de 2020 mostra a execução orçamentária para cada objetivo. — Foto: Reprodução/Prefeitura de São Paulo
Relatório do Plano de Metas da cidade de São Paulo publicado pela Prefeitura em dezembro de 2020 mostra a execução orçamentária para cada objetivo. — Foto: Reprodução/Prefeitura de São Paulo

Relatório do Plano de Metas da cidade de São Paulo publicado pela Prefeitura em dezembro de 2020 mostra a execução orçamentária para cada objetivo. — Foto: Reprodução/Prefeitura de São Paulo

O projeto para oferecer vagas em hotéis para idosos durante a pandemia foi implantado em julho em meio a protestos, após três editais terem falhado.

Em nota enviada nesta terça-feira (12), a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) aponta balanço diferente do que consta do relatório.

“A SMADS criou 1.969 novas vagas, sendo 672 em oito equipamentos emergenciais em centros esportivos, 400 em Centros Educacionais Unificados (CEU), 207 em um Centro de Acolhida Especial para Idosos, 430 vagas para hospedagem de idosos em situação de rua já acolhidos na rede socioassistencial, em oito hotéis e 260 vagas em um Centro de Acolhida Especial para Famílias. Das vagas criadas durante a pandemia, 1.283 permanecem em funcionamento“, disse a pasta.

Prioridade para pessoas vulneráveis

Em discurso de posse para o novo mandato após a reeleição, Covas afirmou que uma das prioridades de sua nova gestão é combater as desigualdades na cidade.

Já Anderson Miranda, do Movimento Nacional de Luta em Defesa da População em Situação de Rua, afirma: “O prefeito diz que vai dar mais atenção, mais assistência, mas nunca sentou conosco. A gestão não tem um compromisso prioritário [com a população de rua]”.

Com muitas pessoas se somando aos 24 mil moradores de rua de São Paulo, a situação ficou ainda mais difícil para quem disputa oportunidades de emprego.

Segundo Edimar dos Santos, de 34 anos, os “bicos” que costumava fazer no comércio sumiram. “Ficou ainda mais difícil [viver na rua], porque antes tinha trampo. Agora não tem nada.” Para ele, as portas se fecharam por conta do agravamento da crise econômica e pela redução de trabalho. Santos explica que o medo de contaminação pela Covid-19 fez com que as pessoas deixassem de oferecer serviços.

Segundo Edimar dos Santos, de 34 anos, os "bicos" que costumava fazer no comércio sumiram com a pandemia. — Foto: Marcelo Brandt/G1
Segundo Edimar dos Santos, de 34 anos, os “bicos” que costumava fazer no comércio sumiram com a pandemia. — Foto: Marcelo Brandt/G1

E esse medo causado pela pandemia também chegou aos moradores em situação de rua. João Batista disse que evitava ir para albergues, porque as camas são muito próximas. Já Edimar conta que costuma pernoitar no albergue Boracéia, na Barra Funda, mas permanece todo o tempo de máscara quando está lá.

Leitos para moradores de rua em hospital

Em setembro, a Prefeitura anunciou que o Hospital Municipal da Bela Vista, na região Central de São Paulo, passaria a oferecer o atendimento a pessoas em situação de rua e que teria 20 leitos destinados a essa população.

Em nota enviada nesta semana, a Secretaria Municipal de Saúde informou que “a ala destinada à população em situação de rua do Hospital Municipal Santa Dulce dos Pobres atendeu, desde a sua abertura em setembro, 19 pacientes em situação de rua com outras situações clínicas que não a Covid-19”.

A pasta informou ainda que “com o aumento dos casos do novo coronavírus, desde o início de dezembro o hospital está dedicado 100% ao combate à pandemia”. “O atendimento a pessoas em situação de vulnerabilidade que não estejam acometidas pela Covid-19 será retomado após a estabilização da alta demanda do momento.”

Morador em situação de rua no Lardo do Paissandu, Centro de São Paulo, na tarde do dia 8 de janeiro — Foto: Marcelo Brandt/G1
Morador em situação de rua no Lardo do Paissandu, Centro de São Paulo, na tarde do dia 8 de janeiro — Foto: Marcelo Brandt/G1

Plano de Metas

Por lei, todo prefeito eleito em São Paulo deve apresentar o Plano de Metas para a cidade no início de sua gestão. O documento deve conter as prioridades de ações para a administração pública em diversas áreas, com indicadores e metas quantitativas, que são debatidas em audiências públicas.

A partir do plano, o prefeito deve prestar contas à população a cada seis meses e publicar um relatório anual sobre o andamento das metas.

Em abril de 2019, Covas alterou o plano referente ao mandato de 2017-2020 apresentado por seu antecessor, João Doria (PSDB), e aumentou de 53 para 71 o número total de objetivos.

Conforme  revelou, a gestão não divulgou o balanço anual de 2019 e nem os balanços semestrais referentes a julho de 2019 e julho de 2020 separadamente. Após a reportagem, a Prefeitura publicou em agosto de 2020 um único relatório com o que havia sido realizado até então, e Covas prometeu que cumpriria todas as metas até o fim do seu mandato.

Em 16 de dezembro de 2020, um novo balanço foi divulgado. Nele, a prefeitura afirmou ter cumprido 48 das 71 metas, o que representa 67% do total. No entanto, segundo a análise da Rede Nossa São Paulo, o cumprimento das metas foi na verdade de 56%. A ONG apontou falta de informações para mensurar de maneira correta os objetivos que foram cumpridos.

O site Planeja Sampa, que foi criado em gestões anteriores para monitorar o acompanhamento das metas pela população, foi retirado do ar em fevereiro de 2020 e continua sem poder ser acessado.

O que diz a prefeitura

Por meio de nota enviada nesta terça, a Prefeitura de São Paulo respondeu aos questionamentos feito sobre a execução orçamentária do Plano de Metas de medidas voltadas especificamente à população de rua.

O documento, de três páginas, apresenta outras ações realizadas durante o período citado, mas não esclarece por qual razão o dinheiro não foi aplicado.

Veja abaixo trechos da resposta:

“Em relação aos moradores em situação de rua, a mudança de cenário ocasionada pela pandemia da Covid-19 levou a Prefeitura a ampliar os serviços oferecidos a essa população. Foram ampliadas vagas de acolhimento, intensificadas abordagens de médicos e assistência social nas ruas, com reforço nas orientações de cuidados contra o coronavírus, instalação de equipamentos de higiene, distribuições de kits e limpeza, intensificação de limpeza nas ruas e distribuição de refeições. Em 2020, foram empenhados R$ 3.084.893.085,50 para ações de enfrentamento da pandemia”.

“A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) criou 1.969 novas vagas, sendo 672 em oito equipamentos emergenciais em centros esportivos, 400 em Centros Educacionais Unificados (CEU), 207 em um Centro de Acolhida Especial para Idosos, 430 vagas para hospedagem de idosos em situação de rua já acolhidos na rede socioassistencial, em oito hotéis (sete na região central e um na região norte) e 260 vagas em um Centro de Acolhida Especial para Famílias. Das vagas criadas durante a pandemia, 1.283 permanecem em funcionamento. Nos quartos as camas foram colocadas em distância segura. Todos os eventos agendados nos serviços foram cancelados e as visitas suspensas. Todas essas medidas contribuem para diminuir o risco de contágio”.

“Complementarmente, para garantir a segurança alimentar dessa população, a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC) já distribuiu pelo projeto Rede Cozinha Cidadã, desde 23 de abril, 222 mil litros d´água e 1.914.435 marmitas em parceria com estabelecimentos credenciados”.

“A SMADS também ampliou a oferta de serviços nos quais as pessoas em situação de rua têm acesso a refeições, banheiros, kits de higiene e orientações. No dia 03/04, começou a funcionar, na região do Cambuci, um Núcleo de Convivência Emergencial, com capacidade de oferecer café da manhã, almoço e café da tarde para 200 pessoas”.

“A Ação Vidas no Centro, iniciativa da Prefeitura, por meio das Secretarias Municipais de Turismo e Assistência e Desenvolvimento Social, teve início em 04 de abril com a oferta de sanitários e banhos para pessoas em situação de vulnerabilidade social na região do Triângulo SP e Centro Histórico. No dia 21 de abril, foram adicionadas lavanderias, que podem ser utilizadas em cinco estações. Até o dia 11 de janeiro, foram realizados 1.227.904 atendimentos em sete estações, considerando todos os serviços oferecidos”.

“Em relação ao orçamento, os valores indicados no Programa de Metas referem-se apenas às ações de abertura de novas Repúblicas e ações para aumento da saída com autonomia, o que foi prejudicado dentro do novo contexto da pandemia”.

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