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O papa e o presidente, dois homens do fim do mundo

Pedro Henrique Moreira da Silva*

“Curar pessoas, não poupar para ajudar a economia. Curar as pessoas, que são mais importantes do que a economia. Nós, pessoas, somos templos do Espírito Santo, a economia não.” Com estas palavras o papa Francisco parece resumir sua maior preocupação em face da pandemia do novo Coronavírus.

Adotando uma postura cristã e, sobretudo, repleta de humanidade, Francisco se preocupou, desde o início da pandemia, em demonstrar a importância do zelo pela vida humana. Assim, transparece no discurso do líder da Igreja Católica o ânimo pela renovação de novas perspectivas para a sociedade, “para melhor ou pior”.

É pela reflexão propiciada pela reclusão e pela dor infligida pelo vírus a milhares de famílias que o pontífice tem clamado em seus discursos por uma “sociedade mais justa e mais equitativa”. Note-se, mais que pregar a igualdade, Francisco reconhece, em tempos de pandemia, a necessidade de tratar os iguais na medida das igualdades e os desiguais na medida de suas desigualdades: símbolo de um amor plural.

“Quando sairmos dessa pandemia, não poderemos continuar fazendo o que temos feito e como estávamos fazendo. Não, tudo será diferente”. Com essa proclamação, o papa estende sua reflexão para a dinâmica sistêmica, e propõe a necessidade de construir novos contextos de vida. Aliás, a integração de seus últimos discursos com a encíclica Laudato si permite deduzir a preocupação latente do papa em face do próprio meio ambiente.

Dessa forma, o que se propõe a partir de Roma é uma renovação das tratativas humanas, ambientais, sociais e econômicas. A pandemia surge, nessa ótica, como uma oportunidade de superação do sofrimento global para a construção de uma alteridade sólida e extensa, capaz de instaurar uma ordem de justiça e bem-estar geral. Aliás, esta é parte integrante da própria lógica cristã, qual seja, extrair da dor o crescimento e renovação.

Para o papa, referida superação e renovo só será permitida pelo sentimento de humanidade e pelo ato de “estender as mãos aos pobres”. E mais, critica a “indiferença e cinismo” que, conforme pontua, “são o alimento diária das mãos que tocam rapidamente o teclado de um computador (…) decretando a riqueza das oligarquias e a miséria das multidões ou a falência de nações inteiras”. Francisco, antes de tudo, se preocupa com as vidas no durante e pós pandemia.

Por outro lado, no Brasil governado por Jair Bolsonaro a reflexão trazida pelo presidente da República minimizou o sofrimento das famílias afetadas pelo Coronavírus sob o argumento de “todos nós vamos morrer um dia”. E mais, quando questionado acerca dos números de mortes pela Covid-19, o chefe de governo e Estado se limitou a informar: “Ô, ô, ô, cara. Quem fala de…eu não sou coveiro, tá?”

Assim, por mais que as responsabilidades da presidência da República incluam a gestão de crises, sobretudo em um contexto pandêmico, Bolsonaro parece ignorar por completo os valores mínimos de humanidade, além de desvalorizar a vida de toda a população submetida a seu governo. É por esse motivo que é possível se referir à instalação de uma política genocida no Brasil.

Isso porque, ao negar a gravidade da situação da pandemia no Brasil – que já deixou mais de 90 mil mortos – o presidente vilipendia os princípios constitucionais e éticos mais fundamentais, deixando os mais vulneráveis à mercê do vírus e da morte. A gestão necropolítica de Bolsonaro não só permite o genocídio, mas promove diretamente a morte de milhares de brasileiros, que tem os direitos à saúde, segurança e vida ofendidos em razão do negacionismo da ciência.

Ora, é parte da política bolsonarista a negativa de tudo que não lhe convém e, como se referenda na postura do Messias durante a pandemia, a humanidade não soa bem para os interesses pessoais e políticos que sustenta desde a eleição de 2018. “Quer que eu faça o quê (…) não faço milagre”: é com essa frase que o presidente parece enfrentar a maior crise sanitária do mundo contemporâneo.

Nesse sentido, é possível afirma que Bolsonaro integra o bloco responsável pelo aprofundamento das políticas de genocídio que ganharam força nos últimos anos. Assim, considerando que as comunidades vulneráveis – sobretudo negros – são os principais afetados pelo coronavírus, ao mesmo tempo em que são os menos testados e tratados, há o interesse na perpetuação do caos. Trata-se de um movimento que alcançará capital político e social pelo extermínio dos “indesejáveis sociais” a partir da pandemia.

Jair, inclusive, reforça a todo momento o ideal pela democratização do poder da morte, na medida em que se porta indiferente ao uso da máscara facial – mesmo tendo sido testado positivo nas últimas semanas. Assim, ao estimular pelo exemplo a não utilização de cobertura facial, o presidente da República populariza o sentimento de poder decidir sobre os riscos e sobre a morte que será infligida ao outro que eventualmente for contaminado.

A justificativa de Bolsonaro diante dos fatos parece se centrar na defesa da economia que, segundo ele, poderá causar danos muito piores que os efeitos da própria pandemia. Não obstante, ignora o pacto social firmado quando eleito, qual seja, a defesa da vida, bem-estar e dignidade de seus governados.

Em contramão do que prega Francisco durante os tempos de pandemia, Bolsonaro confere à vida um valor menor e dá à morte o espaço para o aprofundamento de uma necropolítica que se desenvolve na América desde a invasão europeia. Se, para o Papa a pandemia é a oportunidade para a construção de uma vida mais justa e equânime, para Jair, é a oportunidade para ganhos políticos pessoais.

Seguem o papa e o Presidente: ambos homens do fim do mundo, cada qual a sua maneira. Cada qual em seu mundo. Cada qual em seus fins.

*Mestre em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom Helder Câmara. Advogado no Sette & Moreira Advocacia e Consultoria.

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