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Ministério da Economia prepara força-tarefa para defesa de teto de gastos

A equipe econômica prepara uma força-tarefa no Congresso em defesa do teto de gastos, a regra prevista na Constituição que impede que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação. A ideia é apresentar aos deputados e senadores dados que mostrem a atual situação fiscal do país e quais consequências do abandono do mecanismo neste momento. Um roadshow (espécie de sessões públicas itinerantes) está sendo preparado pelo Ministério da Economia. As datas, porém, não estão definidas.

Entre os dados que serão apresentados pela equipe econômica aos congressistas, está a previsão de alta da dívida bruta do governo para 98,2% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020 com o aumento do rombo nas contas públicas diante dos gastos maiores para o enfrentamento da Covid-19. A previsão pré-pandemia era de a dívida, que teve em 2019 o primeiro recuo em seis anos, fechar este ano em 77,9% do PIB. O ministro da Economia, Paulo Guedes, e sua equipe veem o teto como uma ferramenta importante de âncora da política econômica. A sua retirada é considerada por eles um caminho certo para o aumento dos juros e da desconfiança com o futuro do país.

A ofensiva ocorre num momento em que a pressão por dribles no teto, até mesmo por parte do governo, colocou em estado de alerta os investidores do mercado financeiro. Ontem, o dólar fechou em R$ 5,46, o maior valor desde maio, diante da percepção de piora do quadro fiscal no Brasil, com possibilidade de nova extensão do auxílio emergencial e o debate sobre projetos que ameaçam o teto de gastos.

“Já sabemos que os fundamentos macroeconômicos foram dilacerados e a grande atenção é como reverter a trajetória da dívida”, disse Bruno Musa, sócio da Acqua Investimentos, ressaltando que a possibilidade de o teto de gastos ser burlado é algo que tem sido olhado com muita atenção pelo mercado. Segundo Musa, existe uma busca por dólar, com os clientes enviando recursos para investir no exterior e também elevando o porcentual de suas carteiras em moeda mais forte.

O investidor está de olho no comportamento de integrantes do governo depois que a imprensa revelou tentativa dos ministros da Casa Civil, Braga Netto, e do Desenvolvimento Regional, Rogerio Marinho, de fazer uma consulta ao Tribunal de Contas da União (TCU) para bancar investimentos em obras de infraestrutura com créditos extraordinários, que ficam fora do limite do teto. Outros movimentos foram feitos com o mesmo objetivo.

Na Câmara e no Senado, parlamentares de diversos partidos têm apresentado propostas para flexibilizar o teto e até mesmo estender o Estado de calamidade da pandemia, que termina em dezembro, até 2021. Com a calamidade, as regras fiscais, como necessidade de cumprimento da meta fiscal (com limite para o rombo das contas públicas), ficam suspensas.

Mercado

A reação do mercado ontem foi interpretada como um recado ao governo da percepção que este tem do risco fiscal. Nem mesmo a declaração do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) de que iria travar as iniciativas de furar o teto trouxe tranquilidade. A atenção está voltada também para a reação do TCU. A fala do ministro Bruno Dantas, responsável pela área do Ministério da Economia na Corte de Contas, alertando que o tribunal não vai aceitar dribles no teto foi vista como uma barreira importante.

A principal dúvida, segundo um executivo de um fundo de investimento que falou sob a condição de anonimato, é saber se o governo e o Congresso vão partir para um “remendo fiscal” para prorrogar o auxílio emergencial por mais alguns meses, sem dar solução definitiva para o programa Renda Brasil, que será criado para substituir o Bolsa Família num modelo com mais recursos e beneficiários.

Força-tarefa

“Eu acho excelente essa ideia da força-tarefa”, disse o deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), autor de uma proposta de acionamento dos gatilhos (medidas corretivas de corte de gastos) do teto na Câmara. Para ele, não há dúvida que a pressão está aumentando no Congresso e no próprio governo. “Eu sou daqueles que acha que ele tem de ser intocável”, diz. Segundo ele, está com pouca tração no Senado o andamento da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) emergencial do governo que também garante o acionamento de alguns gatilhos, como corte de despesas de pessoal. Ele ressaltou a importância da posição do ministro Guedes e de Rodrigo Maia como fiadores do teto para conter o risco de mudança.

O economista do Senado, Leonardo Ribeiro, avalia que o projeto de Orçamento de 2021, a ser enviado no fim de agosto, coloca pressão no debate à medida que a proposta não contempla créditos extraordinários, aqueles que ficam fora do teto.

De acordo com Ribeiro, especialista em regras fiscais, as mudanças no teto vêm sendo discutidas no Congresso desde o ano passado. Já existem várias PECs para alterar o desenho da regra. Durante a pandemia, um grupo de senadores apresentou uma proposta para suspender a regra por dois anos. “Ou seja, parte relevante do Parlamento entende que o teto pode comprometer a retomada do crescimento econômico”, ressalta.

Retrocesso fiscal

Conhecida como a dama de ferro das contas públicas quando esteve à frente do Tesouro Nacional, a economista Ana Paula Vescovi diz que o país vive um retrocesso fiscal e que é preciso pressa para organizar a situação e conter o aumento de gastos. “A situação está claramente desorganizada”, afirma Vescovi, hoje economista-chefe do banco Santander. “Se formos simplesmente criando gastos, sem fontes, vamos levar o Brasil à bancarrota.”

O Congresso está abandonando a pauta de controle de gastos?

O orçamento de guerra foi um compromisso do Congresso e do governo de que enfrentaríamos a crise com despesas temporárias. É uma dificuldade imensa que estamos passando. Simplesmente acreditar que ela não existe não é uma solução. Vai ficar mais aparente com o envio da peça orçamentária de 2021. Vejo como a principal prioridade de discussão.

Como resolver o problema?

Também temos um conjunto de programas que foram estruturados há muitos anos que não estão sendo mais efetivos. É a hora de mostrarmos que temos condição de fazer um debate mais profundo e migrar despesas menos efetivas para mais efetivas.

Por que esse debate de corte de gastos tributários e de programas menos efetivos não avança?

É extremamente difícil. É hora de recolocarmos, por exemplo, uma discussão do que seria uma reforma administrativa capaz de tornar o Estado mais efetivo. Todos esses sinais são importantes. Esse debate é difícil, impopular, mas que precisará ser feito. Se deixarmos isso para frente, provavelmente vamos observar uma trajetória da dívida que não se estabiliza e vamos ter uma sociedade pagando mais por isso. Ou pela necessidade de aumentarmos impostos ou por aumento de taxas de juros, porque o risco de sustentabilidade da dívida é claramente maior. A conta se paga de alguma forma. Precisamos saber de qual forma vamos organizar porque a situação está claramente desorganizada.

O que acha de um ajuste pontual da regra do teto?

Se há dificuldade jurídica na letra da lei para chegar aos gatilhos (uma série de medidas para interromper o crescimento da despesa), a prioridade deveria ser acertar isso. Já têm várias propostas que buscam dar condições de acionamento do gatilhos. Essa é uma solução viável de curto prazo.

Essa mudança não é prioridade no Congresso agora?

Temos tido avanços em setores microeconômicos, como a aprovação dos marcos regulatórios, mas estamos dentro de um claro retrocesso na questão fiscal. Se de um lado temos um terreno que vai ficar mais profícuo para atração de investimentos, de outro temos ofuscação dessas oportunidades porque se houver uma percepção de risco crescente sobre a economia, os investidores vão querer retornos maiores. Isso vai refletir nas taxas de juros.

Boa parte da pressão é para ter investimentos públicos do teto de gastos.

Precisa abrir espaço para investimento público. É algo importante, principalmente se for estruturado numa boa carteira de projetos. Temos condições de endereçar uma boa carteira de investimento público. Só não temos espaço fiscal. O teto nada mais é do que um símbolo, uma regra simples, do que é a realidade: a restrição orçamentária. Se formos simplesmente criando gastos, sem fontes, vamos levar o Brasil à bancarrota.

Qual é o cenário se o teto cair?

Entraríamos num processo que a gente chama de dominância fiscal. O Brasil cresce menos com taxas de juros mais altas e desemprego mais elevado. Não adianta negligenciar o tamanho da restrição fiscal que nós temos. Não tem saída. O Brasil está no sétimo ano em que o Estado não cabe na quantidade de impostos pagos pela sociedade. Se aceitarmos aumentar despesas, vamos precisar aumentar impostos. Aumentar impostos passa por uma sociedade que vai crescer menos. Se não conseguirmos equilibrar a conta desses dois lados, reduzindo as despesas ou aumento de impostos, tem uma conta que vem e que não é escolha: a inflação. Aumentar um pouco mais, temos espaço. Estamos abaixo da meta. A questão é que estruturalmente não fecha essa equação e ganha uma inércia, vida própria. Não queremos.

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