sexta-feira, maio 10Notícias Importantes
Shadow

Minha inimiga íntima

Afonso Barroso*

Convivo com ela há 38 anos. Chegou de mansinho, como quem não queria nada, mas foi tomando conta dos meus dias e aos poucos me causando enormes problemas. Comecei a emagrecer demais, urinava demais, tomava água demais. E quando descobri que a causa era ela, já estava magro, muito magro, ao ponto de causar espanto e preocupação aos meus amigos. O nome da diaba é diabetes. Doencinha danada de má. A convivência permanente com ela fez com que se tornasse minha inimiga íntima.

Pra facilitar minha nova vida, que exigiu a aplicação de insulina diariamente, passei a estudar sobre a doença e acabei me especializando. O primeiro tratado que li foi um livrinho do endocrinologista Francisco Arduíno, que trata a doença no masculino. Tem por título Conheça o seu diabetes. Fiquei assustado, porque o livro trazia fotos de ferimentos e inchaços causados pela injeção de insulina. Era uma época em que não havia a chamada insulina mocomponente, pelo menos não no Brasil, e realmente a injeção provocava essas lesões na epiderme. Por isso eu tomava insulina importada da Dinamarca, chamada Monotard, que só encontrava na drogaria Araújo. Cara como o diabo, mas eu ganhava bem e podia comprar.

Posso dizer que sou hoje um diabético profissional. O problema é que à medida em que estudava, pesquisava e aprendia, fui descobrindo que cada vez sabia menos sobre o raio da moléstia

Quem mais me causou confusão foram os médicos endocrinologistas que consultei. Um dizia que minha diabetes era tipo 2, outro que era tipo 1, outro que era tipo LADA. Como não chegavam a um consenso, acabei descartando todos eles e decidi criar, por minha conta, a diabetes tipo AB. Baseei-me na estreita parceria que passei a ter com a insulina. Esta sim, é amiga. Injeto-a fracionada, seis vezes ao dia, a saber: uma dose da rápida antes do café da manhã, do almoço e do jantar; e três da lenta, NPH, duas na parte da manhã e uma à noite. E assim nós vamos vivendo de desamor.

Para quem não sabe, a insulina é o hormônio que o pâncreas produz e tem a finalidade de abrir os poros das veias para fazer com que a glicose se espalhe pelo organismo. A glicose, em que se transformam os carboidratos, é indispensável ao funcionamento da máquina humana. Não pode ficar circulando nos vasos, sob pena de causar danos aos diversos órgãos. Entope as artérias e leva ao infarto do miocárdio. Interrompe a circulação nos vasos capilares, o que pode levar à cegueira ou impotência sexual.

Administrar a diabetes é o meu novo normal desde os idos dos anos 1980. Se é que se pode chamar de normal uma vida de seis injeções por dia e redução drástica de carboidratos nos alimentos.

Mas, fazer o quê? Minha querida mãe há muito não está mais aqui, mas parece que ouço ela dizer lá do alto, com sua santa sabedoria, “é a vontade de Deus, meu filho”. Então tá.

Newsletter

Você quer receber notícias do domtotal em seu e-mail ou WhatsApp?

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

× Como posso te ajudar?