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Bolsonaro atropela a ciência e coloca Anvisa em guerra política sobre vacina

Atualizado às 13h

Após a decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de suspender os testes clínicos da vacina CoronaVac, desenvolvida entre a farmacêutica chinesa Sinovac e o Instituto Butantan, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) deixa claro que a guerra política em torno da vacina chegou à agência reguladora. Com uma atitude precipitada e irresponsável, o presidente coloca seus interesses políticos acima da ciência, incluindo as decisões da Anvisa, órgão que, em tese, deve se pautar por questões técnicas.

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Na noite de segunda-feira (9), a Anvisa informou em sua página na internet que, “após a ocorrência de um evento adverso grave,determinou a interrupção do estudo clínico da vacina CoronaVac“, surpreendendo os cientistas do Instituto Butantan, que souberam da decisão por meio da imprensa. Com a medida da Anvisa, o produto não pode ser mais aplicado em nenhum voluntário. Ainda não se sabe se ele tomou a vacina ou placebo.

Dimas Covas, presidente do Instituto Butantan, disse que o voluntário brasileiro que apresentou reação durante os testes da vacina Coronavac morreu, mas que o óbito não teria relação com a vacina. “Porque é um óbito não relacionado à vacina. Ou seja, como são mais de 10 mil voluntários nesse momento, podem acontecer mortes, pode ter um acidente de trânsito e morrer. E é o caso aqui. Ocorreu um óbito que não tem relação com a vacina”, disse na noite de segunda.

Em coletiva no fim da manhã desta terça (10), o presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, o secretário estadual de Saúde de São Paulo, Jean Gorinchteyn, e o coordenador executivo do Comitê de Contingência do Coronavírus em São Paulo, João Gabbardo, afirmaram que o efeito colateral não tem qualquer relação com os testes da vacina. “É impossível que a reação adversa tenha relação com a vacina”, taxou Covas.

Gabbardo disse ser injusta a penalidade imposta pela Anvisa. “Me sinto muito constrangido porque, por razões éticas, não podemos ser transparentes em relação ao que está acontecendo hoje. Se vocês pudessem ter acesso às informações que nós temos em relação a este caso, poderiam identificar o quão injusta está sendo está penalidade”, afirmou.

O coordenador estadual ainda questionou a motivação da decisão da Anvisa, que, “coincidentemente, acontece no mesmo dia em que o governo de São Paulo anuncia a chegada das primeiras doses da vacina e apresenta a proposição, início de obras, prazos e cronograma de conclusão para que o Butantan possa ter condição de produção desta vacina”.

Segundo Covas, o Butantan aguarda posicionamento da Anvisa sobre os estudos e reforçou o sigilo do caso por respeito ético ao paciente e família. Para Covas, cabe à agência dar detalhes sobre o caso, uma vez que “as informações podem ser dolorosas” aos familiares. O presidente do instituto reforçou ainda que a vacina é segura, não apresenta efeitos colaterais graves e assegurou os voluntários de que não terão efeitos adversos.

Segurança

A Coronavac está em fase três de testes, a mais avançada nesse tipo de estudo. O problema ocorreu em 29 de outubro, mas o órgão federal não detalhou qual evento adverso foi observado no participante. O laboratório chinês Sinovac Biotech afirmou nesta terça-feira que tem confiança na segurança de sua vacina experimental contra a Covid-19. “Estamos confiantes na segurança da vacina”, afirmou a Sinovac em um comunicado

No entanto, a politização da decisão é reforçada porque a Anvisa anunciou a suspensão no mesmo dia em que o governador João Doria (PSDB/SP) anunciou que o primeiro lote de 120 mil imunizantes chegaria a São Paulo no próximo dia 20. Aklém disso, a decisão foi revelada pouco após o presidente Bolsonaro, durante live em campanha política, falar que não vai autorizar compra de vacina que não seja autorizada pela agência.

Já nesta terça-feira (10), Bolsonaro foi às redes sociais e, sem mostrar qualquer prova, acusou a vacina chinesa contra a Covid-19 de causar “morte, invalidez e anomalia” e cantar vitória na disputa política que vem travando com o governador de São Paulo, João Doria, em torno do imunizante. “Morte, invalidez, anomalia… Esta é a vacina que o Dória queria obrigar a todos os paulistanos tomá-la”, escreveu Bolsonaro, em referência à vacina Coronavac. “Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”, escreveu.

Partido do governador Doria, o PSDB criticou o presidente em nota na qual afirma que “Bolsonaro comemorou a morte de um voluntário da Coronavac. Que segundo consta faleceu por razões que não tinham a ver com a vacina, de acordo com o diretor do Instituto Butantã Dimas Covas”. O partido afirmou que a declaração do presidente “é mais uma prova de que coloca suas pretensões políticas acima de todos e realmente não se importa com a vida dos brasileiros. A corrida pela vacina não é uma guerra política e não pode ser tratada dessa forma”.

No mês passado, dados apresentados pelo Butantan haviam mostrado grau elevado de segurança da vacina. Segundo a apresentação à época, a incidência de eventos adversos entre os voluntários do Butantan foi de 35% ante pelo menos 70% nas outras vacinas testadas. A comparação foi feita com dados das pesquisas de outros quatro imunizantes em estudos: Moderna, Pfizer/BioNTech, Oxford/AstraZeneca e CanSino.

A Bio Farma, farmacêutica estatal da Indonésia, informou que os testes clínicos da Coronavac realizados no país “seguem normalmente” após a notícia da suspensão dos testes no Brasil. Edwin G. Pringadi, porta-voz da empresa, afirmou que a Bio Farma não planeja cancelar os testes, que envolvem cerca de 1,6 mil pessoas na província de West Java.

Repercussão mundial

A suspensão dos testes provocou repercussão na imprensa internacional. O jornal americano The Wall Street Journal destacou a expectativa no Brasil de que a Coronavac poderia se tornar uma das primeiras vacinas aprovadas no país. A publicação ressaltou ainda que a nota da Anvisa não esclareceu porque o órgão demorou mais de uma semana para anunciar a ocorrência do evento adverso, que aconteceu em 29 de outubro. A Bloomberg também repercutiu a suspensão dos testes e destacou que esta é a primeira vez que uma das vacinas “rapidamente desenvolvidas” pela China enfrenta um grande contratempo.

A Al-Jazeera destacou que a Coronavac está no centro de um “jogo político” entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria, considerado pela publicação como “um dos adversários mais fortes” do presidente. O texto também destaca que Bolsonaro já se referiu ao imunizante como “vacina chinesa do Doria” e que chegou a dizer que os brasileiros não “seriam cobaias”.

A CNN ressaltou que não é incomum a paralisação de testes nesta fase dos estudos clínicos e lembrou que, em setembro, a AstraZeneca precisou suspender os trabalhos por um período após registrar uma doença inesperada em um dos voluntários. A reportagem destaca ainda que o anúncio da suspensão aconteceu no mesmo dia que a Pfizer anunciou que o imunizante desenvolvido pela farmacêutica americana apresentou 90% de eficácia em testes preliminares.

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