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Shadow

Autocrítica e fixador

Ricardo Soares*

Noite dessas, vendo TV, assisti um apresentador canastrão ler muito mal um texto do falecido dramaturgo e escritor Plínio Marcos. Mas, sorte, percebi que mesmo a má interpretação não prejudicou a fixação do texto contundente de Plínio.

Roda a vinheta, toca a viola, puxo o sofá e chamo para outra prosa autocentrada com o perdão de vosmecês. É que muitas vezes, assim são as crônicas. Divagações ao redor do próprio umbigo dos cronistas. O texto, aqui citado, de Plínio Marcos como um bom perfume tem um sólido fixador. Gruda, se eterniza, repercute, machuca, afaga, contempla, fere. Por isso, Plínio é Plínio e não Miguel Falabella.

Quanto mais os anos passam e eu mais me embrenho na escrita, mais me conformo com o destino dos meus textos que não tem bom fixador, salvo uma ou outra honrosa exceção como uma crônica que fiz quando da morte de meu pai publicado no Estado de S.Paulo. Ou, mesmo uma ou outra rara crônica bem comentada por bem-vindos leitores aqui do Dom Total.

Os leitores, esses desconhecidos. Os que nos prestigiam, nos acalentam e, por fim, nos motivam para seguir escrevendo. São eles que ajudam a fixar um pouco mais o que cometemos e que quando crescem e se multiplicam nos conferem uma efêmera imortalidade, pois a imortalidade duradoura, não se iludam, é aquela que só os escritores com grandes fixadores tem. Gente do quilate de Machado, Guimarães Rosa, Lima Barreto, Érico Veríssimo e grande elenco. Gente não como eu e centenas de outros e outras filhotes da diluição.          

Nessa vida de escriba – prefiro escriba a escritor – a vertente autoral, malcuidada e sextavada foi parar dentro de 9 livros publicados de maneira irregular no decorrer de muitos anos. O primeiro livro individual em 1982, “Invenção da surpresa”, e o mais recente agorinha mesmo, “Devo a eles um romance”. O mais lido é “O Brasil é feito por nós?” uma história infanto-juvenil passada durante a Copa do Mundo de 1970 e hoje na vigésima edição. Talvez, então, o meu único livro com fixador forte. Escrito com um pouco mais de 20 anos me lembra até hoje do menino que eu fui.

Bom, e aí volto ao começo do texto só para dizer: agora não tenho mais pressa. Agora como Paulo Leminski , poeta  de seleto fixador, “escrevo porque preciso”. E ponto. Nada mais do que isso.

*Ricardo Soares é escritor, autor de 9 livros.

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