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Tratos à bola

Eleonora Santa Rosa*

Venho pensando há tempos em saídas de financiamento e sustentação de equipamentos culturais, particularmente museus e congêneres. Na verdade, um dos maiores desafios de qualquer gestor cultural que se entenda como tal está relacionado à questão orçamentária em paralelo à programação cultural, uma vez que a falta de recursos não só limita, mas acaba por inviabilizar a manutenção adequada do acervo, os trabalhos vinculados ao programa expositivo, ao setor educativo e outras ações de setores essenciais dessas instituições.

Se antes da pandemia já se tratava de uma corrida de transposição de obstáculos cada vez mais tortuosos e difíceis, no cenário que emerge no rastro dos efeitos da Covid-19 e suas variáveis, a situação ganhará complexidades ainda maiores. Por um lado, assistimos ao fechamento de museus e centros culturais que não conseguiram obter fundos básicos para sua subsistência. Episódios dessa natureza ocorreram em muitas nações do eixo mais rico do mundo assim como, de modo mais contundente, em países como o Brasil.

O panorama nacional já era dramático em virtude do tratamento concedido pelo governo federal aos assuntos da Cultura e ao aparato institucional do setor nos últimos anos, impactando, efetivamente, o eficiente cumprimento da missão de órgãos da relevância do Iphan, da Biblioteca Nacional, do Ibram e da Funarte, apenas para mencionar os mais conhecidos, de trajetória mais tradicional.

Para piorar, passamos agora pelo travamento da Lei Rouanet – por motivação política e persecutória – pela extinção de editais de empresas públicas, pelo estrangulamento de outras vias de captação, pelo processo de desidratação orçamentária e pela criação de um ambiente na Internet pouco amistoso com as artes, promovido pela caterva bolsonarista. Aliás, não há limites para o comportamento pernicioso e deletério do atual representante da Secretaria de Cultura do Ministério do Turismo, cujas ações já o habilitam ao título de um dos piores ocupantes da Pasta, responsável por um dos mais trágicos legados na história da administração pública federal nesse campo.

Não há o que esperar da União até o fim desse governo, a não ser mais letalidade e agressividade. Nos estados, salvo importantes exceções, a situação também é bastante comprometedora. Em alguns, a estrutura oficial da área cultural encontra-se completamente dizimada. Em outros, impera o trinômio precariedade/descontinuidade/marginalidade. Enfim, saídas precisam ser buscadas, de modo singular, dependendo do contexto, do perfil territorial, das possibilidades organizacionais e da conformação do mercado local.

Há medidas que, se bem sucedidas, poderão ser replicadas, por sua exemplaridade. Há outras ao alcance dos responsáveis pelo sistema de cultura nos estados por meio de articulação e parcerias, sendo fundamental, para isso, o robustecimento do papel do Fórum Nacional dos Secretários de Cultura.

Entretanto, cada vez mais, as alternativas deverão ser construídas, no possível, a partir de ousadia propositiva em fontes e mecanismos de financiamento que possam oferecer, senão blindagem institucional, ao menos amortecimentos e caminhos de passagem, de contenção dos estragos e dos cortes abruptos e contínuos.

Precisamos dar tratos à bola e assumir riscos inerentes ao que é inusual, estranho e inovador. Não será do mesmo, do óbvio, do obsoleto, do anacrônico que encontraremos os novos caminhos.

*Eleonora Santa Rosa – Ex-secretária de Estado de Cultura de Minas Gerais, ex-presidente do Conselho do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais – IEPHA, instituiu em sua gestão o Conselho Estadual do Patrimônio Cultural de Minas Gerais – CONEP. Implantou a primeira fase do Circuito Cultural da Praça da Liberdade, em Belo Horizonte e foi diretora executiva do Museu de Arte do Rio – MAR. Concebeu e implementou inúmeras ações e iniciativas referenciais no campo do Patrimônio Cultural, da Educação Patrimonial e de museus. Gestora, consultora e estrategista da área da Cultura, é autora de diversos artigos e do livro Interstício.

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