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O poder do lobby no Congresso

Entenda como organizações e grupos mobilizam a pauta do Congresso no Brasil; sem regulamentação, atividade é feita sem a devida transparência

PEC eleições Marco Saneamento

Atualmente, a maioria dos projetos do Congresso são pautados por influência de lobistas | Foto: Rodolfo Stuckert/ Agência Senado

A história diz que a expressão “lobista” foi criada pelo presidente norte-americano Ulysses S. Grant durante o seu mandato entre os anos de 1869 e 1877. Nesta época, ele costumava fumar charutos no lobby do Willard Hotel, em Washington. Com o tempo, grupos de interesses diversos começaram a frequentar o local para assediar Grant e convencê-lo a aprovar leis que os favorecessem.

Décadas depois, o lobby passou a ser uma atividade legítima e regulamentada em diversos países. Contudo, no Brasil a imagem do lobista é muitas vezes ligada à corrupção e ao tráfego de influência. Em Brasília, costuma-se dizer que todos os grupos influentes são donos de um pedacinho do Congresso Nacional.

Hoje, indústria, construtoras, planos de saúde, agronegócio e funcionalismo público estão entre os grupos que mais exercem influência nas decisões tomadas na capital federal. Isso porque esses setores conseguem se organizar de tal maneira – o chamado lobby – que participam ativamente do processo legislativo e, por consequência, da elaboração de políticas públicas que vão afetar todo o país.

Mesmo com tanto poder de influência, a atividade nunca foi regulamentada no Brasil, o que traz pouca transparência nas relações entre os grupos de influência e os responsáveis pela elaboração de leis.  A Primeira Secretaria da Câmara mantém um cadastro de lobistas que atuam no Congresso Nacional. Porém, esses dados não estão públicos.

A exemplo de comparação, a União Europeia tem hoje quase 13 mil associações cadastradas dentro do Parlamento Europeu. Para atuarem, essas entidades de classes precisam apresentar informações de seus profissionais, orçamento e áreas de interesse.

“Existe uma transparência muito grande na UE, o que faz com que o processo seja legítimo. Todos que têm registros conseguem participar das consultas públicas, debaterem e colocarem suas opiniões antes de uma tomada de decisão por parte do Parlamento”, explica Guilherme Athia, CEO da Atlantico, consultoria que atua no Parlamento Europeu, em Bruxelas.

No Brasil, o especialista em políticas públicas Felipe Carneiro explica que a regulamentação se faz necessária para trazer mais transparência, já que, na sua visão, a atuação dos lobistas faz parte do jogo democrático. “Hoje no Congresso tudo é pautado por força do lobby, mas sem uma legislação específica, apenas os maiores grupos conseguem exercer o poder de influência”, afirma.

Para Carolina Venuto, presidente da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig), tanto quanto a falta transparência, a instabilidade institucional também complica a atuação e regulamentação da atividade no país. “A quantidade de emendas constitucionais, a produção normativa excessiva e a burocracia atrapalham demais. “São horas perdidas apenas no entendimento da estrutura do governo”.

De acordo com Carneiro, nem sempre o lobby está ligado ao dinheiro, e grupos de influência podem atuar por pautas relacionadas a costumes, por exemplo. “A bancada da bala tem forte influência no Congresso. Uma das bandeiras defendidas é a redução da maioridade penal, que não envolve necessariamente recursos financeiros”, explica.

O Ministério Público Federal (MPF) fez lobby para a aprovação das Dez Medidas Contra a Corrupção, que acabaram engavetadas no Congresso. Os procuradores da Lava Jato também usaram o capital político da operação junto à população para tentar barrar o projeto de lei de abuso de autoridade, ameaçando abandonar as investigações.

Um projeto em tramitação no Congresso regulamenta a profissão de lobista no Brasil e está pronto para ser votado no plenário da Câmara. A proposta é do deputado Carlos Zarattini (PT-SP) e está tramitando desde 2007, no entanto, não existe previsão para ser votado.

O texto prevê que qualquer pessoa, física ou jurídica, pública ou privada, poderá exercer a atividade de agente de relações institucionais e governamentais – o lobista. Para atuar junto ao Legislativo e ao Executivo federais, os profissionais terão que pedir um cadastro, que garantirá o direito de apresentar aos tomadores de decisão sugestões de emendas e substitutivos.

“Nós defendemos que sejam seguidos os princípios da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)”, resume Carolina. “Entre eles, a igualdade de acesso ao Congresso, aos deputados e senadores, e o registro das audiências entre os profissionais de RIG e os parlamentares para que possam ser aferidos pela sociedade”.

Em fevereiro, o Ministério do Trabalho incluiu o lobby na lista de atividades reconhecidas como ocupação, mas ainda não há uma lei específica que determine o que pode ou não ser feito por esse profissional. De acordo com a Abrig, hoje existem 500 entidades associadas.

A linha tênue que diferencia o lobby da corrupção é justamente o que é utilizado para exercer pressão. Conversar com parlamentares e expor pontos que não consideram interessantes em projetos de lei, por exemplo, está dentro da esfera de negociação natural da política. Oferecer vantagens em troca de votos favoráveis, por outro lado, ultrapassa a linha da legalidade. Pagar viagens, presentes ou dinheiro são formas criminosas de comprar o apoio de agentes políticos.

“Ainda falta conhecimento por parte da população a respeito do que é a atividade de lobby”, acredita Carolina Venuto. “Quem comete um ato ilícito ou tráfico de influência é um criminoso, não um lobista”.

A influência do Looby

Sem regulamentação, a identificação dos grupos de interesse fica mais difícil. A forma de estimar essas influências é feita de variáveis indiretas, como doações de campanha e o estudo de bancadas e de frentes parlamentares. Hoje existem quase 400 frentes parlamentares com os mais diversos temas – de segurança à defesa dos animais.

“Essas frentes reúnem deputados de diversos partidos”, explica Carneiro. “Com essa organização é mais fácil para levantar as pautas em comum e avançar com as propostas que sejam interessantes para eles dentro do Congresso”.

O lobby da indústria é um dos mais influentes no parlamento e essa capacidade de pressionar o governo vem de décadas. Ainda em 1942, os industriais conseguiram convencer o então presidente Getúlio Vargas da necessidade da criação de um programa social e de formação profissional, o que deu origem, mais tarde, ao Sistema S. Entidades da indústria, como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) também tiveram um papel importante no cenário de aprovação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016.

Outro grupo que exerce uma influência significativa no Congresso é o agronegócio. Entre as conquistas da bancada ruralistas está, por exemplo, a derrubada do veto presidencial de alguns pontos do Programa de Regularização Tributária Rural, o chamado Refis Rural. Em 2018, o então presidente Michel Temer havia barrado o perdão de 100% das multas e encargos dos débitos referentes ao Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural). A decisão do Congresso representou uma perda de R$ 15 bilhões para os cofres públicos.

O que é permitido fazer e o que é proibido?

É permitido:

  • Associar-se em grupos de interesse
  • Solicitar audiências com detentores do poder
  • Apresentar pontos de discordância e sugerir alterações

Não é permitido:

  • Oferecer ou receber vantagens, como viagens, presentes ou dinheiro, para comprar o voto de parlamentares ou viabilizar ações que beneficiem os interesses do lobby
  • Tráfico de influência: utilizar-se de posição privilegiada dentro de uma empresa ou organização, ou de conexões com pessoas em posição de autoridade, para obter benefícios para si ou terceiros em troca de vantagens

Lava Jato expôs corrupção

Sem a identificação clara dos grupos de interesse, muitas vezes a atividade do lobista fica atrelada à corrupção. Em 2018, por exemplo, a Lava Jato denunciou os ex-ministros da Fazenda Guido Mantega e Antônio Palocci por lavagem de dinheiro e corrupção na edição da Medida Provisória da Crise, em 2009. Moro tornou Mantega réu e rejeitou a denúncia contra Palocci por falta de provas.

Na época, a MP beneficiou indiretamente empresas do grupo Odebrecht, entre elas a Braskem. Através da Medida Provisória, a Braskem obteve a compensação de prejuízo com débitos tributários decorrentes do aproveitamento indevido de crédito ficto de IPI, cujo reconhecimento havia sido negado anteriormente por decisão do Supremo Tribunal Federal. A empresa foi uma das grandes doadoras de campanha de candidatos, até a prática ser proibida pelo STF em 2015. Em 2014, por exemplo, a Braskem distribui R$ 28,3 milhões entre os políticos.

Durante as delações da Lava Jato, os empreiteiros da Odebrecht expuseram uma série de negociatas para a aprovação de medidas do interesse do grupo no Congresso. Segundo o depoimento de executivos, na última década, empreiteira agiu sobre ao menos 12 Medidas Provisórias e um projeto de resolução do Senado. A articulação custou – ao menos – R$ 18,1 milhões em repasses a parlamentares, além de doações milionárias para campanhas. Como contrapartida, a empresa se beneficiou com redução de impostos, benefícios fiscais e a obtenção de contratos para suas subsidiárias.

Ex-presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Marques de Azevedo revelou, em sua delação, que o ex-presidente da Câmara e deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) atuou em favor da empresa na tramitação de nove MPs no Congresso. Cunha defendeu os interesses do grupo atuando como relator, apresentando emendas e utilizando sua influência até quando já era presidente da Casa. A atuação de Cunha ocorria principalmente em MPs de temas tributários

Do Congresso ao Lobby

A força do lobby em Brasília é tão grande que ao menos quatro ex-senadores e seis ex-deputados federais trocaram a política pela atividade de lobista. Sem uma regulamentação específica para a atividade, todos aproveitam sua influência para acessar gabinetes e ministérios em defesa de interesses de terceiros.

Depois de deixar a chefia da Casa Civil do governo Lula acusado de ser o mentor do escândalo do Mensalão e de ter o mandato de deputado federal cassado por quebra de decoro parlamentar, José Dirceu abriu a JD Assessoria e Consultoria. Entre 2006 e 2013, a empresa faturou R$ 29,3 milhões em serviços para cerca de 50 empresas. Boa parte dos clientes eram empreiteiras envolvidas no esquema de desvio de recursos da Petrobras.

Outro político que virou lobista é o ex-senador Romero Jucá (MDB-RR), que recentemente abriu a Blue Solution Government Intelligence. O nome é uma referência à cor azul do carpete do Senado onde exerceu mandatos por 24 anos e foi líder de todos os governos entre Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer. Em 2018, Jucá perdeu a eleição na onda de renovação política que varreu o País.

Conforme apurou Oeste, recentemente entrou na carteira de clientes do ex-senador associações que representam servidores públicos. A contratação ocorreu logo depois do governo protocolar a proposta da reforma administrativa.

Associações como a Fonacate (Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas do Estado), Anafe (Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais), Fenapef (Federação Nacional dos Policiais Federais), FenaPRF (Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais), ADB (Associação dos Diplomatas Brasileiros), entre outras, têm mantido reuniões com membros do governo, congressistas e contrataram o escritório de lobby e consultoria política de Jucá para auxiliar no processo.

Entre as manobras contra a reforma, o grupo articulou o lançamento de uma campanha midiática contrária à proposta. O montante investido seria por volta de R$ 1 milhão.

A pressão feita agora pelo grupo é a mesma que ocorreu durante a tramitação da reforma da Previdência. Na época, após o lobby dos servidores, foram feitas concessões nas aposentadorias que reduziram a meta de economia do governo em 10 anos de R$ 1 trilhão para aproximadamente R$ 800 bilhões.

Uma das frentes de atuação dos servidores é no Congresso Nacional, instância que vai dar a última palavra no texto. O deputado Professor Israel (PV-DF) é o principal representante do grupo e preside a Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público.

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