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Da perda do emprego à depressão: o outro lado da pandemia

Como as políticas de isolamento radicais quase destruíram o país e acabaram por despertar a sociedade civil

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Nove meses após o início das políticas restritivas, brasileiros sentem na saúde e no bolso os efeitos da pandemia | Foto: Divulgação

Em 11 de março de 2020, o Distrito Federal foi a primeira unidade da Federação a estabelecer medidas de distanciamento social para conter a disseminação da covid-19. Por meio de um decreto, o governador Ibaneis Rocha (MDB) suspendeu as aulas na rede pública e privada por cinco dias. Na semana seguinte, atividades de atendimento ao público foram paralisadas — ou seja, restaurantes, bares, lojas, salões de beleza e cinemas fecharam suas portas. Foi o pontapé inicial da prática de confinamento da população que ocorreria no Brasil ao longo do ano.

Nove meses após o decreto estabelecido na capital federal, os brasileiros sofrem não apenas os efeitos do coronavírus na saúde, mas também as consequências econômicas e psicológicas das políticas de isolamento radicais adotadas por governadores na tentativa de conter a propagação da doença.

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De acordo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em pesquisa publicada em 16 julho deste ano, 716 mil empresas fecharam as portas. O número corresponde a mais da metade do 1,3 milhão de estabelecimentos que estavam com atividades suspensas na primeira quinzena de junho, devido à crise sanitária. Do total de negócios fechados temporária ou definitivamente, quatro em cada dez — um total de 522 mil firmas — disseram ao IBGE que a situação se deveu à pandemia.

A falência de milhares de empresas e a consequente destruição de milhões de empregos, somadas às medidas de isolamento social adotadas por governos estaduais, fizeram saltar o número de brasileiros com depressão, conforme aponta levantamento realizado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) com 1.460 pessoas em 23 Estados.

O estudo, coordenado pelo professor Alberto Filgueiras, do Instituto de Psicologia da Uerj, em parceria com o fisiologista do Exercício Clínico Matthew Stults-Kolehmainen, do Hospital New Haven, da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, conclui que a prevalência de pessoas com estresse agudo subiu de 6,9% para 9,7% — aumento de 40% em relação ao período pré-pandemia. Os casos de depressão evoluíram de 4,2% para 8%. Já os casos de crise aguda de ansiedade foram de 8,7% para 14,9% — alta de 71%.

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Em entrevista a Oeste, o neurocirurgião Paulo Porto de Melo afirma que os efeitos psicológicos do isolamento radical podem ser devastadores:

“Os índices de suicídio aumentam em todos os países e nas principais cidades. Já é comum ouvir de pacientes mais idosos que preferem contrair a doença e morrer a permanecer afastados de seus entes queridos”.

Segundo Porto de Melo, o isolamento vertical é o modelo de distanciamento que mais faz sentido do ponto de vista médico. “O isolamento horizontal já se provou ineficaz e mais danoso do que a própria doença”.

O professor do Departamento de Pediatria, Divisão de Medicina Intensiva da Universidade de Alberta, em Edmonton, no Canadá, Ari Joffe era defensor de medidas de confinamento e lockdowns. Entretanto, após avaliar os resultados práticos do isolamento horizontal, o médico canadense publicou um artigo em que faz uma revisão narrativa e descreve por que mudou de ideia sobre o apoio ao confinamento.

“No estudo do professor Ari Joffe foi utilizada a metodologia de análise custo-benefício, já consagrada, e se demonstrou que o custo — em vidas, não financeiro — do lockdown horizontal é 5 a 50 vezes maior que o da própria covid-19″, explica Porto de Melo. 

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Estudo de Ari Joffe, sobre o Canadá, compara mortes por covid-19 em seis meses de 2020 e mortes totais em 2018 | Foto: Reprodução

A sociedade contra o Estado

Com a saúde física debilitada pelo coronavírus, a saúde psicológica prejudicada pelas políticas de confinamento e a saúde financeira destruída pela perda do emprego, os brasileiros se organizaram para manifestar sua insatisfação com a gestão dos governadores durante a pandemia.

O movimento Escolas Abertas, por exemplo, surgiu com o objetivo de pressionar a prefeitura de São Paulo pela reabertura gradual das atividades escolares presenciais em todas as instituições de ensino do município. O grupo entende que manter as salas de aula fechadas acarreta uma série de danos a crianças e adolescentes.

Amparado na opinião de pediatras e numa série de estudos publicados recentemente, o movimento aponta os prejuízos causados aos jovens. Entre eles, estão distúrbios alimentares, aumento da taxa de gravidez precoce, abusos e maus-tratos, uso de drogas, violência, ansiedade e danos psicológicos, além do agravamento da defasagem pedagógica, das desigualdades sociais e redução da renda familiar.

Para o médico Porto de Melo, fechar instituições de ensino não se sustenta do ponto de vista lógico. “As crianças sabidamente têm um risco muito menor de contaminação e menor ainda de desenvolver a doença”. Segundo o médico, manter as crianças afastadas da escola pode causar problemas na aprendizagem e na socialização, além de influenciar na alimentação dos estudantes. “Em países vulneráveis como o Brasil, [há prejuízos] até na alimentação, pois grande parcela de crianças vai à escola pública para aprender e também para se alimentar”.

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A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de São Paulo (Abrasel-SP) também manifestou sua indignação contra o governo do Estado na gestão da pandemia. Em nota divulgada à imprensa, o presidente do conselho administrativo da instituição, Joaquim Saraiva de Almeida, afirma que, no setor, 70% dos estabelecimentos não faturam sequer 50% dos valores pré-pandemia: “O segmento estava esperançoso de melhorar sua performance neste final de ano, faturar o suficiente para pagar contas atrasadas, o décimo terceiro salário, e se preparar para enfrentar mais um ano dificílimo. É nessa realidade que caíram como uma bomba as novas restrições”.

Na conclusão da nota, o presidente da Abrasel reitera que continuará lutando “pela sobrevivência dos bares e restaurantes que continuam abertos […], reivindicando mais espaços, menos restrições, fiscalizações sérias e não genéricas e ineficientes, liberação das mesas nas calçadas, e menos fatores contaminantes que ajudariam os estabelecimentos a sobreviver e prestar mais serviços à população”.

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Enquanto medidas autoritárias como a imposição de toque de recolher e lei seca são decretadas em diversas cidades do país, a população sofre os efeitos diretos e colaterais do isolamento social. Políticos e “gestores” de vários Estados afirmam que suas decisões são amparadas pelo rigor científico, embora não exista a mais remota comprovação disso. O cientificismo usado para justificar o #ficaemcasa escancara uma realidade: há mais dúvidas do que certezas sobre a pandemia, e a própria ciência muitas vezes não sabe o que fazer diante do inimigo desconhecido.

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