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Shadow

Corredores de hotéis

Ricardo Soares*

Saio do apartamento e encaro o longo corredor do hotel no décimo andar . Apesar do dia quentíssimo em Cuiabá, o corredor é frio, quase sombrio, nada tem a ver com o mundo externo que pega fogo lá fora. Corredores de hotéis sempre foram inegáveis dimensões paralelas. Sempre foram uma imagem significativa a simbolizar caminhos idos, vividos ou desconhecidos. Tanto é que muito bem soube explorar a imagem o venerável cineasta Stanley Kubrick no filme O iluminado, baseado em história de Stephen King. Quem navega na internet já cruzou mais de uma vez com memes que simbolizam aquelas duas sinistras gêmeas do filme no fundo do corredor daquele hotel maléfico . Gêmeas que atualmente sempre são simbolizadas com os rostos dos gosmentos Trump e do Bozo brasileiro.

Corredores de hotéis são a passagem entre o real e o imaginário, o possível daquilo que não tem discernimento. Por isso são mesmo os lugares propícios para que vejamos assombrações de toda e qualquer espécie. Tantos e tantos anos como viajante profissional ou turístico vejo com desconfiança e até com certo medinho os corredores de hotéis. Enormes tubos de silêncio e escuridão ladeado por vidas (e mortes) que se emparelham nos quartos aos lados. Quantos filhos foram feitos nesses quartos? Quantos amores que começaram e se findaram? Quantas mortes anunciadas e consumadas ?

Um dos corredores de hotel que jamais me sairá da mente são aqueles do infelizmente finado hotel Novo Mundo ao lado do que foi um dia o Palácio do Catete , hoje Museu da República no Rio de Janeiro . Estive naqueles corredores e naqueles quartos em muitas passagens da minha vida. Tenho dos quartos as melhores lembranças não só das cenas fellinianas que vi (a passagem de enormes navios na Baia de Guanabara)  como tórridos momentos amorosos com juras que depois nunca foram cumpridas. Cabelos molhados, chás quentes  e muito mais. E toda as vezes que andava naqueles corredores sempre achei que o tempo não passava.

Quisera eu que o Brasil de hoje fosse um sombreado corredor de hotel como o Novo Mundo. Mesmo que lúgubre e solitário. Porque se por um lado deixaria a impressão de um tempo que não passa carregaria no seu bojo a impressão de que qualquer tempo é melhor do que o que vivemos nessa pandemia desgovernados por uma súcia de imbecis.

Ricardo Soares é escritor, diretor de tv, roteirista e jornalista. Publicou 9 livros. O mais recente “Devo a eles um romance” ,disponível em https://www.editorapenalux.com.br/loja/devo-a-eles-um-romance

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