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Brinquedos demais

Fernando Fabbrini*

Ganhar presente, antigamente, era coisa de aniversário e Natal – e olhe lá. O dia da Criança, essa invenção do comércio, parece ter sido inspirada nas chantagens infantis contra os pais de hoje, bem mais suscetíveis a elas. Presenciei mais uma cena clássica na entrada de uma loja de brinquedos semanas atrás. Uma menina fazia birra e esperneava para que o casal comprasse determinada bugiganga exposta na vitrine. Deu pena. Não da criança, mas dos pais, acuados pela insolência da pequena.

Rainer Strick e Elke Schubert, dois educadores alemães, estão preocupados com o excesso de brinquedos das crianças atualmente. No início de 2020 eles conduziram um estudo com alunos do ensino fundamental das escolas da Bavária – e chegaram a conclusões curiosas e até desconcertantes.   

Numa sala de aula, por exemplo, tiraram quase todos os brinquedos – incluindo os chamados “educativos” –  substituindo-os por coisas simples como caixas, folhas de cartolina, sucata plástica, cola, grampeador, tesoura e outros objetos. Embora certo tédio tenha se estabelecido durante os estágios iniciais da experiência, as crianças logo começaram a inventar jogos e a usar a imaginação em novas brincadeiras com o que tinham. A criatividade e o improviso surpreenderam os estudiosos.

Strick e Schubert perceberam que quando muitos brinquedos são dados à criança, sua capacidade de atenção costuma diminuir. É compreensível: uma criança raramente aprenderá a apreciar plenamente o brinquedo à sua frente se tiver inúmeras opções na prateleira ao lado. Com menos bugigangas, as crianças desenvolvem melhor a perseverança e a concentração. Certos brinquedos e jogos exigem algum tipo de interação, essencial para o raciocínio lógico. Diante desses, crianças com menos brinquedos exercitam paciência e determinação – em vez de abandoná-los depressa, já que têm outros mais fáceis por perto.

Outra conclusão: crianças com menos brinquedos melhoram seus relacionamentos com colegas, professores e familiares. Elas descobrem o valor de uma companhia com a qual possa interagir e trocar ideias. Novos estudos atribuem as amizades de infância a uma maior chance de sucesso acadêmico e convívio social no futuro. Em outras palavras: quem se relacionou mais na infância tende também a levar uma vida mais sociável na idade adulta.

Strick e Schubert alertam: “é fundamental e urgente que as crianças encontrem divertimento e satisfação fora das lojas de brinquedos, jogos eletrônicos e atrações do celular. Se forem criadas pensando que todo o prazer pode ser obtido através do dinheiro, certamente terão mais dificuldades de se sentirem realizados na vida adulta.” E completam: “crianças que conseguem tudo o que desejam acabam acreditando que podem ter tudo o que querem, a qualquer hora. Projete esse conceito adiante e você entenderá muito do que acontece com certo perfil de jovens e adultos de nossa época”.

Parceiros do estudo, professores relataram ainda que seus pequenos alunos se tornaram menos egoístas, compartilhando materiais e dividindo brincadeiras que inventavam. E um detalhe importante: crianças que não têm um quarto lotado de brinquedos brincam mais lá fora, ao ar livre; praticam mais exercícios, esportes, correrias, levam tombos, esfregam o joelho ralado, enxugam as lágrimas – e continuam a brincar. 

Fernando Fabbrini é roteirista, cronista e escritor, com quatro livros publicados. Participa de coletâneas literárias no Brasil e na Itália e publica suas crônicas também às quintas-feiras no jornal O TEMPO.

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