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A dialética do progresso

Newton Teixeira*

Não é correto aceitar a concepção fatalista do desenvolvimento histórico e, para tanto, desnecessária é também uma crítica radical do progresso. Portanto, não é necessário adentrarmos em uma visão antiprogressista da história, para que possamos entender o estágio atual da sociedade e buscar, a partir dos fatos e de ações políticas, melhoria para todos.

Assim, não devemos enxergar a história como uma catástrofe permanente. E, se assim pensarmos, estamos a entender que o desenvolvimento histórico é puramente dialético e que o advento do capitalismo, em substituição à sociedade feudal, além se ser um progresso, também tem suas desvantagens, que merecem constantes correções de rumo, sempre nesta discussão entre o que é bom e o que é ruim, principalmente levando-se em consideração um viver menos egoístico possível: um viver inclusivo e não exclusivo, como o é nossa sociedade, até o presente momento.

De tal modo, o desenvolvimento histórico, ou seja, das forças produtivas, nem sempre pode ser visto como virtualmente positivo ao conforto humano, considerando que diversas críticas existem a respeito do momento em que vivemos e a própria crise do capitalismo, principalmente no século XX, conduziu às inúmeras barbáries, a exemplo das duas guerras mundiais e do holocausto provocado por um governo fascista e alienado, que desconsiderou a Constituição Alemã, substituindo-a por suas descabidas vontades próprias.

Portanto, necessário sim repensar o progresso advindo da chegada do capitalismo, principalmente no tocante à exclusão de muitos de uma vida digna, considerando a grande concentração de renda nas mãos de poucos e a miséria se tornando cada dia mais uma rotina, aceita por todos como algo natural ou como tal coisa fosse um desígnio a ser acatado por todos.

Assim é que esta ideia de progresso, sem uma necessária correção de rumo, é uma visão fatalista e teleológica da história, o que não é admissível e, em agindo assim, está aceitando as coisas como são e também certos de que não podemos intervir, para superação destes desnecessário e incômodo estado de coisa.

Não podemos aceitar os períodos de regressos como sendo algo natural e necessário, com o fim da buscar o progresso final. Na verdade, retrocesso, esta volta ao passado, este conservadorismo reacionário, contribui para atrasar o progresso, que deve ser visto sempre como um caminhar para frente e as fases

passadas como algo já pronto e superado. Retroceder é perder o fio da história; é uma contribuição negativa para o aperfeiçoamento de nossa vivência mais fraterna e mais qualificada na sociedade.

O revisionismo histórico é, portanto, também um retrocesso, além de ser na verdade uma história oficial, a desprezar os fatos reais e a manipulá-los constantemente, tendo em vista o interesse de uma classe dominante, que pretende ocultar fatos negativos praticados no curso da história, fazendo desaparecer o já acontecido.

É assim que se encontram historiadores defendendo o imperialismo, como uma necessidade, bem como a justificativa para a colonização de povos e também e apesar de recente, afirmativas no sentido de que não houve o holocausto, com a morte de milhões de pessoas. Ou se existiu, não foi bem assim…

Aliás, o revisionismo se faz presente também na história dos Estados Unidos, país que não foi responsabilizado até hoje pela exterminação bárbara dos Índios (peles vermelhas), com a morte de crianças, mulheres, estupros, enfim, com as práticas de todo tipo de horror que, séculos depois, foi repetido na Alemanha, agora com a morte de judeus, homossexuais, ciganos e também índios, dentre outras pessoas, que sempre foram coisificadas, quando era necessário mata-las, em prol de uma raça pura, de um sangue limpo, ou tendo em vista interesses puramente econômicos.

Os Estados Unidos, berço da democracia ocidental, é realmente um paradoxo, ao manter, inclusive os pais da independência e feitores da primeira Constituição daquele país, a escravidão negra e sendo também eles próprios possuidores de escravos e, mesmo depois que a escravidão foi abolida, mantida foi, de fato, com as constantes segregações raciais, indo ao absurdo de a Suprema Corte ter considerado, inicialmente, correto a separação, nas Escolas, entre brancos e negros.

Portanto, nota-se que o estado de exceção é uma política que os governantes a utiliza quando pretendem implementar políticas que vão contra a uma minoria, chegando ao absurdo de desprezá-las, como seres humanos. Logo, estas pessoas não são ou deixam de serem sujeitos de direito e vivem enquanto os governos permitir. Podem ser colocadas em campos de concentração, sem nenhum prévio julgamento (ou julgamento nenhum), podem ser deportadas ou fuziladas, tudo em nome de um chauvinismo doentio, que inclusive sobrepõe os símbolos nacionais às próprias pessoas.

Assim sendo, não é correto encampar estas atitudes desumanas, ou seja, estes crimes e catástrofes praticados por um Estado, como necessários, como uma etapa de nossa história. Ao contrário, é um desvio de percurso e, infelizmente, um instrumento consciente da história, com a finalidade de tornar o ser humano objeto de manipulação, considerando que alguns se consideram seres superiores e, portanto, detém o direito de vida ou morte sobre os demais, consideradas párias da sociedade.

Destarte, nada há de fatalismo ou visão teleológica da história. Ao contrario, os acontecimentos bárbaros são praticados desnecessariamente e significam que uma camada forte da sociedade, até o presente momento não aceitou os princípios democráticos da Revolução Francesa, hoje incluídos como cláusula constitucional em todas as Constituições do mundo democrático, porém de difícil concretização.

Evidentemente que, se voltarmos à teoria marxista, é possível também afirmar que esta visão fatalista do progresso foi encampada por Marx. Entretanto, tal visão marcou apenas o marxismo da Segunda e da Terceira Internacionais. Foi uma visão teleológica, fechada, eurocêntrica. A partir da Terceira Internacional a proposta de Marx é uma crítica dialética, aberta do progresso, não teleológica.

Assim, o determinismo fatalista, presentes em alguns textos de Marx, foi transformado em dogma pelo marxismo oficial. E dogma significa abdicação do pensamento. Porém, a última proposta do marxismo, a desprezar o fatalismo, traz a aposta na possibilidade de mudança da história, por meios de ações políticas, com o escopo de buscar sempre uma melhoria de convivência entre todos, quando o Estado Social não fizer a sua parte, em prol dos menos favorecidos.

*Pós-Doutorado em Docência e Investigação pelo Instituto Universitário Italiano de Rosário (2019). Doutor em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2013), Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2004). Especialista em Direito de Empresa pela Fundação Dom Cabral (1987), Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1985). Desembargador da 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Juiz de Direito da 1ª Vara de Família até junho de 2012. Professor de Direito de Família da Escola Superior Dom Helder Câmara. Autor e coautor de vários livros e artigos na área de família, direito ambiental e processual civil.

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