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Violoncelista da Orquestra de Cordas da Grota, preso por engano em blitz da PM, é solto no Rio – Jornal O Globo

RIO — O músico Luiz Carlos Justino, preso por engano no Centro de Niterói na última quarta-feira, foi solto neste domingo, ao meio-dia. Mesmo após alvará de soltura expedido pelo plantão judiciário na noite deste sábado, conforme antecipado por Ancelmo Gois, em O GLOBO, ele foi transferido do Complexo Penitenciário de Benfica para o Complexo de Guaxindiba, em São Gonçalo, na mesma noite, sem que seus familiares e advogados fossem avisados.

Luiz tem 23 anos, é negro, violoncelista, e integra a Orquestra de Cordas da Grota, em Niterói, desde os 6 anos de idade. Também é casado e pai de uma menina de 3 anos. Ao sair da unidade prisional, o morador da comunidade da Grota do Surucucu, em São Francisco, disse não ter conseguido dormir direito as quatro noites que passou encarcerado e relatou ter sentido medo de morrer na prisão.

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— Eu estava muito nervoso, porque nunca passei por isso e nem imaginava um dia ser preso por algo que não fiz. Também não tive contato nenhum com minha família ou advogados nesse tempo todo. Senti muito medo. Em Benfica, quase vomitei porque nos serviram comida estragada. Os agentes também ameaçaram raspar meu cabelo. A única coisa que quero agora é ir para casa e ficar com a minha família — disse ele, que relatou ter ficado numa cela lotada, com mais 80 pessoas, em Benfica.

Luiz Justino agradeceu a mobilização pela sua soltura, que ocorreu às 12h deste domingo, 6 de setembro.

Luiz Justino agradeceu a mobilização pela sua soltura, que ocorreu às 12h deste domingo, 6 de setembro.

Segundo a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (Seap), Luiz permaneceu preso pois ainda aguardava-se o recebimento oficial do alvará de soltura, mas não explicou o motivo da transferência. Em razão da não comunicação prévia de que ele havia sido transferido, os familiares não sabiam onde Luiz estava e, portanto, não foram até o local recebê-lo no momento em que foi solto.

Luiz conta que foi parado numa blitz quando saía de uma apresentação musical nas barcas, por volta de 19h, na Avenida Visconde de Rio Branco. Ele estava acompanhado de três amigos, também músicos. Por estar sem documento, ele foi conduzido à 76ª DP (Centro), onde os militares informaram que havia um mandado de prisão expedido contra ele por um assalto à mão armada cometido na manhã do dia 5 de novembro de 2017, no bairro da Vila Progresso.

Em casa: músico comemora liberdade com a família, na Grota do Surucucu, em São Francisco Foto: Divulgação
Em casa: músico comemora liberdade com a família, na Grota do Surucucu, em São Francisco Foto: Divulgação

Entretanto, um contrato prova que, no momento do suposto crime cometido por ele, o rapaz estava trabalhando na padaria Le Dépanneur Delicatessen, em Piratininga, pelo projeto Café Musical. O local fica a dez quilômetros de onde ocorreu o crime.

Blog do Ancelmo: Contrato de trabalho prova que violoncelista da Orquestra da Grota preso tocava em padaria na hora do crime, em 2017

Ao ser levado para a prisão, Luiz, que sonha em entrar numa faculdade de música, foi obrigado a deixar seus objetos, como seu celular e seu violoncelo, na delegacia.

— Eu estou sem documento de identidade desde o carnaval. Ainda não tinha conseguido tirar segunda via porque o atendimento no Detran ficou restrito com a pandemia — explica o músico.

Estado será acionado judicialmente

A advogada Sônia Ferreira Soares, integrante da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, foi até o Complexo de Guaxindiba acompanhar a soltura. Ela, que acompanhou o caso desde o início, afirma que a OAB acionará o Estado no Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ).

— Foi uma prisão totalmente arbitrária e ilegal. O Luiz Justino sequer foi chamado para prestar depoimento e não há citação dele no processo. Acrescentamos provas robustas, nos autos, de que no dia do crime ele estava trabalhando numa apresentação musical que ele fazia rotineiramente em Niterói. Vamos zelar pela manutenção da liberdade dele, absolvição e, posteriormente, reparação judicial desse caso gravíssimo que traduz o racismo institucional e estrutural que temos no nosso país — afirma.

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O alvará de soltura foi expedido pelo juiz André Luiz Nicolitt. Na decisão, ele questiona “por que um jovem negro, violoncelista, que nunca teve passagem pela polícia, inspiraria “desconfiança” para constar em um álbum? Como essa foto foi parar no procedimento?”.

O magistrado acrescenta: “São muitas as objeções que se pode fazer ao reconhecimento fotográfico. Primeiro, porque não há previsão legal acerca da sua existência, o que violaria o princípio da legalidade. Segundo, porque, na maior parte das vezes, o reconhecimento fotográfico é feito na delegacia, sem que sejam acostadas ao procedimento “as supostas fotos utilizadas” no catálogo, nem informado se houve comparação com outras imagens, tampouco informação sobre como as fotografias do indiciado foram parar no catálogo, o que viola a ideia de cadeia de custódia da prova”.

Segundo a Polícia Civil, Luiz foi apontado por traficantes, em 2014, como suspeito de integrar uma organização criminosa e, por isso, sua foto entrou para o banco de imagens. Ainda de acordo com a polícia, em 2017, ele teve um mandado de prisão expedido por roubo, depois de ser reconhecido por uma vítima, por meio da foto que constava no banco de imagem.

— Em primeiro lugar, o reconhecimento por foto não pode ser o único elemento de prova para encarcerar um supostos autor de delito. O Luiz sequer foi chamado para prestar qualquer esclarecimento sobre esse caso de 2017. Além disso, é um absurdo o fato de já existir um alvará de soltura expedido e, ainda assim, o sistema penitenciário o transferir — conclui a advogada Sônia Ferreira Soares.

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