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Suficiência ou insuficiência da Bíblia?

Por: Pr. Esequias Soares | 11/11/2020 – 13:30

Suficiência ou insuficiência da Bíblia?

A Palavra de Deus afirma: “A lei do SENHOR é perfeita e refrigera a alma; o testemunho do Senhor é fiel e dá sabedoria aos símplices” (Sl 19.7). Na última semana de outubro, justamente a da Reforma Protestante, aquela da Sola Scriptura (“Somente as Escrituras”), que revolucionou a história do cristianismo, foi atípica por causa de uma mensagem que afirma que a “Bíblia é um livro insuficiente” e “precisa ser relido, ser ressignificado”. Fui informado que o autor dessa declaração é um pastor batista de São Paulo, embora isso não represente o pensamento dos batistas. Apesar da falta de clareza dessas declarações, elas são no mínimo polêmicas, para não dizer nocivas à fé cristã.

As referidas declarações estão numa pregação confusa sobre a carta a Filemom em que o pregador faz críticas às interpretações errôneas que as pessoas fazem da Bíblia, e ele apresenta a dele como a mais adequada. No entanto, ao fazer isso, ele próprio viola os princípios básicos da hermenêutica. Ele não fez uma leitura sequer do texto bíblico no seu sermão, nem mesmo o texto base de sua mensagem, uma epístola tão curta de apenas 25 versículos. Seu discurso passa a ideia de que a leitura da Bíblia não serve para nada.

Todas as etapas da mensagem poderiam ser mais diretas e concisas, com clareza e simplicidade, para que a maioria dos seus ouvintes ou telespectadores pudessem compreender, mas ficou tudo muito confuso, até mesmo para se entender o que ele quer dizer com a “Bíblia não é suficiente, ela precisa ser atualizada”. Ele começa afirmando que a Carta a Filemom é a base para a escravidão. Ao longo da história do cristianismo, especialistas em Paulo não são unânimes a respeito do pensamento paulino sobre a escravidão. No entanto, o pastor apresenta a sua ideia como um fato conclusivo. A descrição que ele faz da Carta a Filemom carece de alguns reparos.

O pastor parece desconhecer o fato de que a estrutura da escravidão passou a ser um problema moral a partir dos tempos modernos. No período dos apóstolos, a questão moral estava relacionada ao tratamento dado aos escravos. Segue uma apresentação de Filemom tirada do livro 29 minutos para entender a Bíblia e a essência da Palavra de Deus: “O objetivo da carta é o perdão de um escravo fugitivo chamado Onésimo, que se converteu na prisão em Roma por meio do trabalho evangelístico do apóstolo e foi convencido por ele a voltar como cristão para o seu senhor. Paulo pede a Filemom que Onésimo seja bem-recebido, como um irmão em Cristo, e não como escravo. O apóstolo vai além e pede ainda que Filemom o perdoe. Era um pedido feito com muito tato, elegância, diplomacia e, até certo ponto, ousadia, mas Paulo tinha autoridade espiritual para fazê-lo: ‘É claro que não preciso fazer com que você lembre que me deve a sua própria vida’ (Fm 19). Isso indica que Filemom recebeu a vida eterna como resultado da pregação do apóstolo” (pp. 197, 198).

O problema é trazer conceitos de uma cultura antiga como se esses personagens vivessem em nossos dias. É verdade que os ensinos bíblicos são para todos os povos, de todos os lugares e de todas as épocas, mas há também ensinos específicos para um povo e para uma época que não se pode generalizar.

Diante das mudanças sociais e dos questionamentos, alguns líderes cristãos estão repensando o que é a Bíblia e revendo seus ensinos ao invés de buscar uma maneira de lidar com a falta de tolerância e amor. Rejeitar a Bíblia como ela é para apoiar a causa dos gays, por exemplo, é um dos requisitos para ser aceito pela sociedade nos dias atuais. Até mesmo o papa Francisco já caiu nessa armadilha. Há líderes que afirmam ostentar a bandeira de Cristo envolvidos nessa cosmovisão.

Entre as afirmações polêmicas, mas confusas, estão: “Eu digo que a Bíblia é um livro insuficiente”, que ela precisa ser “atualizada”; que é um livro que “precisa ser relido, ser ressignificado”,; que se deve tirar dela o que está nas “entrelinhas” para trazer libertação. “Hoje, depois de dois mil anos”, diz o pregador, “não é possível tratar a Bíblia como um texto que revela verdades absolutas”. Ele acrescenta ainda: “Porque não somos seguidores de um livro, mas seguidores de Jesus Cristo”.

Qual o significado dessas palavras polêmicas? A Bíblia não é suficiente para quê? Para a salvação? Para se chegar a Jesus? Ou para explicar todos os ramos do saber humano como uma enciclopédia? O que o pregador quis dizer ao afirmar que ela precisa ser atualizada? A linguagem nas suas diversas traduções?

Acontece que a Bíblia é a Palavra de Deus (Mc 7.15), e Deus a coloca acima de seu próprio nome: “Engrandeceste a tua palavra acima de todo o teu nome” (Sm 138.2). O próprio Jesus é a Palavra de Deus (Jo 1.1, 14; Ap 19.13).

O pastor não fala de interpretar a Bíblia corretamente, mas de buscar o que nela está nas “entrelinhas” para trazer à tona “os princípios de vida que nela encerra” para trazer liberdade. São palavras e frases misteriosas sem clareza suficiente. Não afirma ser uma questão de hermenêutica.

Vamos às respostas bíblicas. “A lei do SENHOR é perfeita” (Sl 19.7). A lei, nesse estágio da história do povo de Deus, diz respeito à própria Escritura Sagrada. O Novo Testamento chama também de “lei” parte das Escrituras que não se refere a nenhum livro do Pentateuco. Exemplo: “Não está escrito na Lei de vocês: ‘Eu disse: vocês são deuses’”? (Jo 10.34), que é uma citação direta de Salmos 82.6. O apóstolo Paulo chama de lei uma passagem do profeta Isaías: “Na lei está escrito: ‘Falarei a este povo por meio de homens de outras línguas e por meio de lábios de outros povos, e nem assim me ouvirão, diz o Senhor’” (1Co 14.21). Essa citação é de Isaías 10.28. Então, o termo “lei” pode significar tanto a Lei de Moisés como também as Escrituras Sagradas.

Jesus disse que veio cumprir a lei: “Não pensem que eu vim para acabar com a Lei de Moisés ou com os ensinamentos dos Profetas. Não vim para acabar com eles, mas para dar o seu sentido completo. Eu afirmo a vocês que isto é verdade: enquanto o céu e a terra durarem, nada será tirado da Lei — nem a menor letra, nem qualquer acento. E assim será até o fim de todas as coisas.” (Mt 5.17,18). A ideia desse ensino de Jesus é confirmar ou estabelecer a lei ou os profetas, as Escrituras, por meio da vida e do ensino de Jesus. O verbo grego para “acabar” é katalyo, “destruir, revogar, invalidar”, e para “sentido completo” é pleroo, “cumprir, completar”. A antítese é “acabar” e “completar”.  Isso significa que hoje a Bíblia está completa, ela é suficiente, “a palavra do nosso Deus permanece para sempre” (Is 40.8; 1Pe 1.25).

“Assim temos mais confiança ainda na mensagem anunciada pelos profetas. Vocês fazem bem em prestar atenção nessa mensagem. Pois ela é como uma luz que brilha em lugar escuro, até que o dia amanheça e a luz da estrela da manhã brilhe no coração de vocês. Acima de tudo, porém, lembrem disto: ninguém pode explicar, por si mesmo, uma profecia das Escrituras Sagradas. Pois nenhuma mensagem protica veio da vontade humana, mas as pessoas eram guiadas pelo Espírito Santo quando anunciavam a mensagem que vinha de Deus (2Pe 1.19-21).

Estaríamos à deriva no mundo sem essas palavras, pois elas nos levam à luz de Cristo (Sl 119.105). A mensagem dos profetas é atual e vale para todos os povos, em todos os lugares e em todas as épocas. Assim, nunca devemos deixar de prestar atenção ao ensino deles. A autoridade desses escritos permanece válida até hoje.

O problema mais crucial de sua pregação está nos minutos finais. São declarações inaceitáveis que chegam a ser um ataque à Bíblia. Quem afirma não existir verdade absoluta são os desconstrutivistas da atualidade, cuja forma de hermenêutica procura desconstruir o texto e se opõe à regra fixa, afirmando que o significado é relativo à cultura e toda a verdade é condicionada pela perspectiva da pessoa. Jacques Derrida declara: “Os textos religiosos ou de qualquer natureza não possuem significados objetivos; assim, eles não são verdadeiros e nem falsos em si mesmos, mas inerentemente instáveis e ambíguos”. Michel Foucault afirma: “A verdade não é uma questão de afirmações que correspondem à realidade, mas de como várias estruturas de poder definem”. Estaria o pregador alinhado com essa cosmovisão? De qualquer modo, a manifestação dele é uma rejeição à Bíblia.

Esses autores acreditam que não existe verdade absoluta, sabemos que tal afirmação já é em si mesma uma contradição, isso porque a declaração deles não pode também ser verdade absoluta. Mas o pastor foi mais irreverente ao mencionar de maneira direta a Bíblia: “Não é possível tratar a Bíblia como um texto que revela verdades absolutas”. Essa declaração é falsa, pois o Deus que o pregador afirma anunciar é a verdade: “Deus é a verdade” (Dt 32.4); o Jesus, que o referido pastor diz pregar em seu nome é a verdade, pois Jesus disse: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.7); Jesus também disse que a Bíblia é a verdade: “A tua palavra é a verdade” (Jo 17.17); e o apóstolo João escreveu: “Porque o Espírito é a verdade” (1Jo 5.6). 

O propósito das Escrituras é o ensino para a salvação em Jesus: “E, desde menino, você conhece as Escrituras Sagradas, as quais lhe podem dar a sabedoria que leva à salvação, por meio da fé em Cristo Jesus” (2Tm 3.15). São ensinos espirituais que não se encontram em nenhum outro lugar do mundo. Ela revela os mistérios do passado, como a criação; os do futuro, como a vinda de Jesus; os decretos eternos de Deus; os segredos do coração humano e as coisas profundas de Deus (Gn 2.1-4; Is 46.10; Lc 21.25-28).

A Bíblia corrige o erro humano e é proveitosa para orientar a vida humana: “Pois toda a Escritura Sagrada é inspirada por Deus e é útil para ensinar a verdade, condenar o erro, corrigir as faltas e ensinar a maneira certa de viver. E isso para que o servo de Deus esteja completamente preparado e pronto para fazer todo tipo de boas ações” (2Tm 3.16,17). Uma das grandezas das Escrituras é a sua aplicabilidade na vida diária, na família, na igreja e no trabalho. Deus é o nosso Criador, e somente Ele nos conhece e sabe o que é bom para Suas criaturas. E essas orientações estão na Bíblia (Rm 12.1, 2). A Bíblia traz felicidade (Sl 1.1-3); paz para o lar (Sl 128.1-4); satisfação para a alma (Mt 11.25-30); esperança futura (Rm 5.1-8); certeza de salvação (1Jo 5.11-13).

De qualquer forma, esse discurso contra a Bíblia não ajuda a levar o pecador a Cristo; antes, pode afastar os crentes da Palavra de Deus. Tal mensagem pode até impressionar os incautos e atrair os menos avisados, ou os que preferem trevas à luz. Cremos que isso não abalará a fé de nossos irmãos. A maior parte de minha vida tive que defender a inspiração e a autoridade divina da Bíblia diante de grupos religiosos heterodoxos como espíritas, mórmons, reverendo Moon, entre outros, mas nunca pensei na possibilidade de fazer a mesma coisa diante de quem tem a responsabilidade de se juntar a nós. É lamentável. Apostasia significa negar a fé que antes defendia. Finalizo com um aconselhamento da Palavra: “Bem-aventurado é aquele que não anda no conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores. Pelo contrário, o seu prazer está na lei do SENHOR, e na sua lei medita de dia e de noite” (Sl 1.1,2).

Esequias Soares é pastor da AD em Jundiaí (SP) e presidente da Comissão Apologética da CGADB.

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