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Proposta de Biden de convocar cúpula pela democracia enfrenta questionamentos dentro e fora do país – Jornal O Globo

WASHINGTON — Entre as promessas de política externa do presidente americano, Joe Biden, estava a de convocar uma cúpula global pela democracia durante seu primeiro ano de mandato. A reunião teria como objetivo tomar uma posição pública contra as marés autoritárias e populistas que aumentaram durante o governo de seu antecessor, Donald Trump, e, na avaliação de Biden e seus assessores, ameaçam os valores políticos ocidentais.

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A promessa foi feita quando Biden ainda era candidato. A ideia era convocar uma “cúpula pela democracia”, onde líderes com ideias semelhantes poderiam discutir maneiras de fortalecer seus próprios sistemas internamente e protegê-los de ameaças como corrupção, desinformação e do modelo autoritário vigente em nações como China e da Rússia e que se infiltrou, sob diferentes formas, em nações como a Turquia e o Brasil.

Ainda não há informação de quando nem quais países seriam convidados para o evento, embora assessores de Biden tenham confirmado que o presidente pretende realizá-lo. Porém, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, já demonstrou seu interesse em participar

— Estamos a favor de uma aliança de democracias. É um projeto que corresponde a nossos princípios brasileiros — declarou, ao ser questionado sobre como via a proposta da cúpula, durante um debate no Fórum Econômico Mundial, na semana passada.

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O presidente, Jair Bolsonaro, visto pela comunidade internacional como um expoente do nacional-populismo, era aliado de Trump e apoiava publicamente a reeleição do republicano. Com seu desejo frustrado, no entanto, o governo brasileiro tenta se aproximar da gestão democrata. 

Críticas de países rivais

A intenção de organizar uma cúpula em defesa na democracia, no entanto, acontece em um momento em que esse princípio está fragilizado dentro dos EUA e foi posto em xeque desde a contestação de Donald Trump à eleição de Biden.

No início de janeiro, uma multidão de apoiadores de Trump invadiu o Capitólio e interrompeu a sessão do Congresso para confirmar a vitória de Biden no Colégio Eleitoral. Na próxima semana, o Senado começará seu segundo julgamento de impeachment de Trump em um ano. E os parlamentares republicanos estão prestes a dificultar a vida de Biden, obstruindo seus projetos.

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A sensação de um sistema democrático americano disfuncional, se não totalmente quebrado, fez com que nações rivais se manifestassem — e sugerissem que os Estados Unidos não deveriam dar sermões em outros países.

“Os Estados Unido não traçam mais o curso e, portanto, perderam todo o direito de defini-lo”, escreveu no Facebook Konstantin Kosachev, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara Alta do Parlamento da Rússia, após a rebelião no Capitólio. “E, mais ainda, para impô-lo aos outros.”

Os americanos podem “se orgulhar de sua democracia e liberdade”, disse recentemente a repórteres Hua Chunying, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China. Porém, depois de testemunhar tanto caos político, ela acrescentou, “no fundo, eles têm esperança de levar uma vida como a dos chineses”.

Funcionários do governo dizem que nem os comentários de rivais estrangeiros nem o ceticismo dos analistas americanos de política externa afetaram o plano de Biden.

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Em um artigo na Foreign Affairs em março do ano passado, Biden disse que a cúpula seria “para renovar o espírito e o propósito comum das nações do mundo livre. Ela reunirá as democracias do mundo para fortalecer nossas instituições democráticas, confrontar honestamente as nações que estão retrocedendo e forjar uma agenda comum”.

Em Washington, porém, há um debate sobre a ideia entre ex-funcionários do governo e acadêmicos. A principal questão é se a crise política no país é um motivo para adiar o plano da cúpula e reavaliar a pressão para promover o modelo democrático em todo o mundo, como alguns argumentam.

“Os Estados Unidos perderam credibilidade; não há dúvida sobre isso”, escreveu James Goldgeier, professor de relações internacionais da American University e ex-assessor do Conselho de Segurança Nacional no governo de Bill Clinton.

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Em um ensaio recente para o Foreign Affairs, Goldgeier argumentou que Biden deveria, em vez disso, realizar uma cúpula sobre a democracia em casa — uma que focasse na “injustiça e desigualdade” nos Estados Unidos, incluindo questões como direito de voto e desinformação.

Funcionários do governo Biden dizem que as críticas criam uma falsa escolha entre restaurar a força interna do país e sua posição no exterior.

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Os defensores da realização de uma cúpula dizem que seria o momento ideal para o mundo ter um evento do tipo, após quatro anos de mandato de Trump, em que elogiou líderes como o presidente russo, Vladimir Putin, o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un, e o príncipe da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman.

— Eu acredito que os eventos das últimas semanas e anos tornam necessário [realizar uma cúpula] — disse o deputado democrata Tom Malinowski, ex-alto funcionário do Departamento de Estado no governo de Barack Obama.

Ele argumentou que a invasão ao Capitólio e o esforço mais amplo de Trump para reverter os resultados das eleições demonstraram a resiliência das instituições centrais dos Estados Unidos:

— Ninguém deve olhar para esses eventos e sugerir que eles minam a força de nosso exemplo.

Incógnita sobre possíveis convidados

Malinowski e outros proponentes da cúpula admitem que ela traz algumas complicações práticas, principalmente sobre quem seria convidado a participar.

Em seu artigo para a Foreign Affairs, Biden disse que sua cúpula poderia seguir o modelo das quatro cúpulas de segurança nuclear feitas por Obama, nas quais líderes mundiais se reuniram para compartilhar ideias e fazer promessas específicas sobre reduzir e ter mais segurança em relação a armas nucleares.

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Ainda assim, países como Turquia, Polônia e Hungria, todos integrantes da Otan, continuam se retratando ostensivamenre como democracias, mas estão cada vez mais marcados por suas práticas autoritárias. Os críticos perguntam se eles devem ser convidados e persuadidos a adotar reformas ou excluídos para negar-lhes o status e a estatura do rótulo democrático.

Uma das propostas é a dea criar um grupo de dez democracias, no qual os Estados Unidos seriam acompanhados por Austrália, Reino Unido, Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Coreia do Sul e União Europeia como bloco.

Seja qual for o formato da cúpula, os defensores da ideia dizem que ela não repetiria a grande “agenda de liberdade” do ex-presidente George W. Bush, cujo chamado para transformar as autocracias do Oriente Médio em democracias é visto como um exemplo da arrogância dos Estados Unidos.

— Isso deve ser feito com total humildade e uma honestidade séria sobre nossas deficiências e o fato de que não estamos exportando um modelo americano — disse Thomas Carothers, vice-presidente sênior do centro de estudos Carnegie Endowment for International Peace.

Vários apoiadores da cúpula pela democracia concordam que o caos político exige uma abordagem profundamente humilde.

— Não acho que ele esteja falando de dar lições ao mundo sobre democracia — disse Gayle Smith, ex-diretora do Conselho de Segurança Nacional para o Desenvolvimento e a Democracia no governo Obama. — O presidente Biden entende muito bem e vimos, claramente, que a democracia não é algo que você declara “democracia” e terminamos. É um processo contínuo.

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