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Por que os democratas almejam levar o Texas pela primeira vez desde 1976 – Jornal O Globo

AUSTIN E SAN MARCOS, EUA – Este não é o Texas dos filmes de bang-bang. Em Austin, chapéus de caubói dão lugar a máscaras coloridas com mensagens políticas. Churrasco faz menos fila do que torradas com abacate. Música country é sucesso, mas na versão “fora da lei” do ídolo local Willie Nelson, que pede para os americanos votarem, pois “a maior arma que temos se chama urna eleitoral”. Agora, as tendências deste símbolo progressista incrustado no coração do republicanismo de petróleo, armas e Bíblia começam a se espalhar. As mudanças dão esperanças aos democratas de fazer do Texas um estado azul.

O comparecimento eleitoral no estado é um dos sinais de que, mesmo que o Texas não vire democrata este ano, a tendência para o futuro é que fique cada vez mais azul, por causa de mudanças demográficas, como maior proporção de eleitores latinos e jovens que têm se mudado para cá para fugir do preço dos aluguéis na Califórnia. A proporção de eleitores brancos caiu de 62% em 2000 para 51% em 2018 segundo o Centro Pew.

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Vantagem de Trump

E ainda que os democratas não consigam levar o Texas — a média das pesquisas mostra pequena vantagem para Trump — a votação no estado pode pesar no apoio do voto popular a Joe Biden. Até agora, uma semana antes das eleições, o número de americanos que já votaram no Texas já é 82% do total que votou há quatro anos. Ao todo, mais de 64 milhões já votaram no país inteiro — cerca de metade deles nos cerca de uma dúzia de estados que serão decisivos para definir o vencedor no Colégio Eleitoral. Na média geral, metade do número de eleitores que foram às urnas em 2016 nesses estados cruciais já votou.

Quanto maior o comparecimento às urnas nos EUA, onde o voto não é obrigatório, maior tende a ser a vantagem democrata, argumenta o professor Jeremi Suri, da Universidade do Texas.

— Os republicanos querem desencorajar minorias e jovens de votarem, porque (ganhar) é realmente uma questão de comparecimento — diz o professor, que é categórico na importância do estado, o segundo maior do Colégio Eleitoral americano, para os republicanos. — Sem o Texas, não há Partido Republicano. É onde eles conseguem o dinheiro e é onde fica sua base. Eles não conseguiriam sobreviver

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Um dos números que confirmam a tese é que o número de cédulas enviadas por correio por eleitores registrados como democratas é o dobro do enviado por republicanos, segundo o United States Elections Project. É por essa razão que a campanha dos democratas é mais focada em mobilizar sua própria base a votar do que em converter eleitores.

Em um local de votação em East Austin, um dos bairros mais diversos e com maior números de jovens, Cynthia Muñoz, 35 anos, levou a mãe, nascida no México, para votar na manhã de segunda-feira. Ela não votava havia 20 anos.

— Espero que Biden ganhe. Espero que o Texas vire azul, vi que está bem perto agora, será muito empolgante se ocorrer.

Assim como a mãe de Cynthia, outros eleitores que votaram presencialmente em Austin na segunda não tinham saído de casa nas eleições passadas. Dora Jackson, 60 anos, votou pela última vez em Barack Obama, em 2012. Neste ano, escolheu votar pelo método drive-in: de dentro do carro.

— Vou votar no Biden porque ele é democrata. É um bom homem. E não gosto de Trump — diz ela, ecoando um dos principais argumentos dos apoiadores de Biden.

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As tendências progressistas de Austin têm se espalhado para os vizinhos. Até 2016, a cidade era um enclave azul em território vermelho — cores, respectivamente, dos partidos democrata e republicano. Em 2018, nas eleições que quase levaram o democrata Beto O‘Rourke a tirar a cadeira no Senado do aliado local de Trump, Ted Cruz, o condado de Hays, fronteira com Austin, virou azul. A expectativa dos democratas é que a tendência se mantenha.

Dave Wasserman, analista do Cook Political Report, que faz previsões eleitorais, diz que o condado texano foi o primeiro no país a ultrapassar o comparecimento total de 2016 antes mesmo do dia das eleições.

Allan Sattiewhite foi à sede do governo local na segunda acompanhado da mulher, Ronnie. Os dois votaram em Biden — ela não votou em 2016 e é o perfil do eleitor de que os democratas vão atrás: pessoas que não se mobilizaram por Hillary, mas não querem Trump mais quatro anos.

— Trump não se importa. Ele sabia de tudo [sobre o perigo do coronavírus] em fevereiro e não falou para as pessoas. Muitas morreram, e não precisavam ter morrido. Ele poderia ter dito para as pessoas se protegerem, usarem máscaras. Mas não disse.

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Não são apenas democratas que votam antes do dia das eleições. Ryan Butler, 24 anos, também esteve no governo local para votar pela primeira vez e, no caso dele, foi em Trump. Ele gosta do presidente por causa de seu apoio aos militares.

— Ele fez muito pelos militares, apoiou as tropas, os outros presidentes não apoiavam quando elas precisavam. Além disso, o corte de impostos ajudou minha família com os negócios, e a crise na fronteira, aqui no Texas, também foi uma grande questão — diz o veterano, que discorda da tese de que o estado ruma para virar democrata. — Eu acho que o Texas vai continuar do jeito que sempre foi: republicano. Muitos republicanos não gostam de responder pesquisas.

O veterano Ryan Butler não votou nas eleições de 2016, mas este ano resolveu apoiar o republicano Foto: Paola De Orte / Agência O Globo
O veterano Ryan Butler não votou nas eleições de 2016, mas este ano resolveu apoiar o republicano Foto: Paola De Orte / Agência O Globo

Republicano apoia Biden

Austin não é apenas câmeras Polaroid, tênis All Star e mesas redondas moderadas por Richard Linklater — diretor texano adorado pelos cinéfilos alternativos dos anos 2000 — no South by Southwest, maior festival de cinema, música e tecnologia do mundo que acontecia todo ano na capital estadual até a pandemia.

Na cidade, fica também o The Range at Austin, clube de tiro onde os texanos podem praticar e se reunir em “noites de diversão em família”, com tiro primeiro e jantar depois — churrasco — por U$ 199 para quatro pessoas. Lá, a principal orientação sobre proteção não é que os usuários usem máscara, como na maior parte dos negócios no país e no mundo. O pedido é que não se esqueçam de usar os óculos e tapa-ouvidos contra o barulho.

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No estande, praticava tiro na tarde desta segunda o estudante John Quin, de 22 anos, com quem Trump pôde contar em 2016, quando levou o estado por uma margem de 9 pontos, menor do que Mitt Romney e John McCain nas eleições anteriores.

Este já não é mais o caso agora. Quin já votou e, desta vez, o voto foi para o democrata Joe Biden. Sobre estar em um clube de tiro e não apoiar um republicano, John dá uma resposta tímida, mas que comunica a mentalidade de outro público que os democratas tentam alcançar no estado — um reduto em que o republicanismo é mais tradicional, tem raízes e se alimenta menos do discurso ideológico do presidente.

— Sou republicano. Eu só não concordo com Trump. Não em tudo — diz John, um dos poucos visitantes do clube que usava uma máscara na última segunda-feira.

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