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Nada é por acaso mesmo – O Antagonista

Nada é por acaso mesmo

Reprodução/TV Justiça

Em artigo para a Folha intitulado ‘Nada é por acaso’, o advogado Augusto de Arruda Botelho ataca as transmissões ao vivo das sessões plenárias do Supremo pela TV Justiça.

Ele lembra que Marco Aurélio Mello foi quem sancionou, como presidente em exercício em 17 de maio de 2002, a lei 10.461/02, de autoria do então deputado federal Chiquinho Feitosa.

Para quem não conhece, Chiquinho vem a ser primeiro suplente do senador Tasso Jereissati (PSDB) e presidente do DEM no Ceará. É cunhado de Gilmar Mendes e sogro de Caio Rocha, filho de César Asfor Rocha, ex-presidente do STJ.

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Asfor é investigado por suspeita de recebimento de propina para enterrar a operação Castelo de Areia, num esquema que, segundo Antonio Palocci, teria sido coordenado por Márcio Thomaz Bastos.

César e Caio também foram denunciados pela Lava Jato do Rio na Operação E$quema S, que apura o desvio de R$ 150 milhões do Sistema S do Rio por meio de contratos de fachada da Fecomércio-RJ com grandes bancas de advocacia que venderiam influência no STJ e no TCU.

Chiquinho, que domina o transporte público nas regiões Norte e Nordeste, é sócio de Jacob Barata Filho, o ‘rei do ônibus’ do Rio, condenado por Marcelo Bretas no âmbito da Operação Ponto Final, desdobramento da Lava Jato.

Nas investigações, o MPF descobriu que a Fetranspor pagou R$ 144 milhões em propina a Sergio Cabral e outros políticos do Rio. A entidade patronal usava o mesmo doleiro (Álvaro Novis) e as mesmas transportadoras (Transexpert e Prosegur) que a Odebrecht.

A propósito, Botelho foi advogado júnior no escritório de Thomaz Bastos e integrou o núcleo de defesa da Odebrecht na Lava Jato.

Mas voltando à questão da TV Justiça, cujas transmissōes naquele longínquo  2002 pareciam inofensivas..

Botelho alega que há, atualmente, uma “superexposição dos ministros”, que “simplesmente não podem frequentar restaurantes, não podem sequer sair às ruas com receito de serem agredidos”. O advogado se mostra aflito com “tamanho ódio de parte da população à nossa Suprema Corte”.

Quanto a frequentar restaurantes ou sair às ruas, talvez valha a pena lembrar a discussão entre Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes, lá em 2009.

Disse Barbosa: “Vossa Excelência está destruindo a Justiça desse país e vem agora dar lição de moral em mim? Saia à rua, ministro Gilmar. Saia à rua, faz o que eu faço.” Ao que Gilmar respondeu: “Eu estou na rua, ministro Joaquim.” Barbosa replicou: “Vossa Excelência não está na rua, não. Vossa Excelência está na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro.”

Em relação à superexposição, certamente ela não foi causada pela TV Justiça, que segue com audiência zero no Ibope.

O julgamento do mensalão, em 2012, atraiu obviamente a atenção da imprensa e da sociedade em geral. A Lava Jato aprofundou de vez essa dinâmica, com dezenas de grandes empresários e caciques políticos tendo que recorrer quase diariamente ao Supremo para escapar da cadeia.

Nesse meio tempo, as redes sociais também ganharam protagonismo no debate público, quebrando o monopólio da imprensa e polarizando a política. Se vivemos um “eterno fla-flu em nossa Justiça”, como observa Botelho, o mesmo ocorre na política, na imprensa etc.

Ser exposto nas redes sociais está longe de ser privilégio de ministros do Supremo.

Se as redes deram voz a uma legião de imbecis, segundo Umberto Eco, também alimentaram uma massa crítica em relação à quase absoluta ausência de condenações de políticos pelo STF.

A impunidade dos detentores de foro privilegiado ficou flagrante diante das centenas de condenações na primeira instância.

Rui Barbosa também ensinou que justiça tardia nada mais é do que injustiça institucionalizada. O “tamanho ódio” a que se refere o ex-advogado da Odebrecht talvez decorra da frustração da sociedade com o Supremo. Talvez.

O vaivém de posicionamentos de ministros da Corte, ajustando a jurisprudência à ocasião, certamente contribuiu para esse sentimento geral – vide o caso da prisão após condenação em segunda instância.

Gilmar, que defendia a Lava Jato contra a “cleptocracia petista”, tornou-se algoz da operação depois que a força-tarefa avançou sobre tucanos.

Em seu ataque à TV Justiça, Botelho afirma também que já não se acompanha uma votação no Supremo para conhecer mais sobre Justiça ou aprender mais sobre direito, mas para “torcer”. “Temos expectativas ideológicas e partidarizadas de um julgamento”, escreve o advogado.

Novamente, o mesmo se aplica a determinados ministros que defendem teses esdrúxulas em benefício de agentes políticos que foram responsáveis ou ajudaram em suas nomeações ao Supremo.

É preciso dizer ainda que sonegar à população o acesso gratuito, via TV Justiça, aos julgamentos da mais alta corte do país é também uma injustiça social.

É espantoso ter de repisar que qualquer medida contra a transparência dos atos do poder público é, a princípio, uma medida antirrepublicana e antidemocrática.

“O melhor detergente é a luz do sol”, ensinou-nos o juiz americano Louis Brandeis (1856-1941), que integrou a Suprema Corte dos EUA.

Por estes trópicos, porém, o entendimento parece inverso. O STF, que mantém sigiloso o esdrúxulo inquérito das fake news, chegou a ter 700 procedimentos ocultos, e ministros não costumam divulgar suas audiências com advogados.

Chama atenção, por fim, que as transmissões das sessões plenárias do Supremo venham a debate justamente depois que Luiz Fux decidiu transferir das Turmas – cujas audiências não são transmitidas em tempo real – para o plenário o julgamento de ações penais e a abertura de inquéritos.

Como diz Botelho, nada é por acaso. Mesmo.

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