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Juventude mobilizada nas redes enquanto aulas presenciais não retornam

Geovana emenda um “fala, galera” enquanto apresenta propostas de melhorias para a escola onde estuda. O costumeiro “deixe sua pergunta nos comentários” (e um like se você curtiu, é claro) convida os colegas à participação. Aos 14 anos, ela já fez parte de uma eleição – virtual, com direito à campanha no Youtube e votação online – e saiu vitoriosa. Na Escola Municipal Henrique Souza Filho, o Henfil, em São Paulo, o grêmio estudantil tomou posse mesmo com o colégio fechado.

A eleição de um grupo que representasse os estudantes, em plena quarentena, teve objetivo político. Quando a escola em São Mateus, na zona leste, fechou para conter a disseminação do novo coronavírus, o desalento foi generalizado e os alunos chegaram a achar que toda a mobilização para construir as chapas tinha ido por água abaixo.

Geovana Moreira, aluna do 8º ano, viu os colegas se distanciando da escola pouco a pouco – por falta de interesse ou condições de acompanhar as atividades. “Como não estava tendo aula presencial ficou bem difícil. A gente era acostumado a conversar bastante e ficamos bem tristes, desanimados.”

Foi então que, apoiados por um professor, o processo de eleição do grêmio acabou chamando mais estudantes para perto da escola. “Animou os alunos e a maioria dos que não estavam participando começou a participar”. Agora, a chapa eleita já tem um objetivo, que Geovana resume: “Achamos que é interessante motivar as pessoas a não desistirem”.

Por todo o país, grêmios estudantis ou grupos de alunos mobilizados ganham força para manter a turma estudando e a comunidade escolar unida enquanto os colégios estão fechados. Durante a quarentena, uma das preocupações é evitar a evasão de alunos e a perda do vínculo com a escola. Professores e especialistas entendem que é dever do poder público combater esse problema, mas dizem que estudantes podem colaborar porque têm proximidade com a turma.

“Um adulto pode não conseguir ver o que um aluno está presenciando. Ao fim de tudo, quem faz uma escola são os estudantes”, diz Julia Teresa Fernandes, de 13 anos, aluna do 8º ano do Henfil, que atuou como fiscal das eleições do grêmio e mantém um canal da escola no Youtube com 173 mil inscritos.

A experiência do colégio, diz Julia, acabou inspirando outros. Agora, os estudantes já se articulam para a possível volta às aulas presenciais e propõem atividades de recuperação para reduzir as defasagens na aprendizagem.

Sem material

Na Escola Municipal Amadeu Amaral, na zona leste de São Paulo, o grêmio estudantil, ativo desde 2013, ajuda a mapear os alunos que não conseguiram se envolver nas atividades. Foi o grupo, por exemplo, que avisou os professores que uma colega não receberia os materiais de estudo enviados para as casas dos alunos porque havia se mudado para outro estado durante a pandemia. E são eles que espalham os tutoriais pelo Whatsapp sobre como acessar os conteúdos online.

“O alcance seria muito mais baixo se não houvesse essa mobilização. Teríamos mais alunos invisíveis para a gente”, diz Caio Marques Fernandes, professor orientador de informática educativa na Amadeu Amaral. No interior de São Paulo, 14 alunos de diferentes turmas também ajudam nessa busca. Os estudantes perceberam que seria preciso diversificar os canais de comunicação para localizar os colegas.

“Fizemos um grupo no Messenger (aplicativo de mensagens do Facebook) e conseguimos descobrir quem não tinha acesso”, diz Maria Eduarda Voltolin, de 16 anos, aluna do 2º ano da Escola Estadual Maria Aparecida de Azeredo Passos, em Mirante do Paranapanema, município de 17 mil habitantes. O grupo também publica dicas de estudo, de como fazer resumos e organizou até um sarau literário virtual com colegas de outros municípios que se sentiam isolados.

“A escola era o meu ambiente, estava acostumada a ficar lá das 7 às 16 horas. Conseguia aprender e desestressar. Esse relacionamento pela internet não é a mesma coisa, mas posso dizer que é o que me motiva, me impede de ficar triste ou cair em depressão”, diz Maria Eduarda, do grêmio. Em outro interior – do Ceará – vale até ligação por telefone para ouvir o desabafo dos colegas sobre as dificuldades de acompanhar os estudos ou sobre o medo da contaminação pelo coronavírus.

Pelo telefone

O grêmio da Escola de Ensino Médio Vereadora Edimar Martins da Cunha, em Itapiúna, a 100 km de Fortaleza, faz a escuta dos colegas por telefone e também imprime materiais de estudo, que são entregues a estudantes em áreas sem acesso à internet com a ajuda de lideranças comunitárias e dos professores. “Os alunos se sentiam um pouco excluídos e, quando tiveram a notícia de que receberiam o primeiro pacote de atividades, foi uma alegria. Eles se sentiram parte do processo”, diz Ermesson Germano, de 18 anos, aluno no 3º ano do ensino médio.

Toda semana, líderes comunitários recolhem os materiais preenchidos pelos alunos e entregam na escola para correção. Mais da metade da população de Itapiúna mora em área rural. Na primeira semana, o diretor até ligou para o grêmio comemorando a adesão. Todos haviam devolvido os papéis – em alguns casos, com bilhetes de agradecimento.

“Se não fizéssemos alguma coisa, a evasão seria grande. Temos estudantes que são mães e têm atividades domésticas, outros que precisam ajudar nas tarefas”, diz Ermesson.

Incentivo

Mais do que a iniciativa dos estudantes, a participação de jovens nas escolas depende do apoio dos colégios e redes de ensino e, em muitos casos, há o trabalho de professores que atuam como incentivadores dos grupos. “A escola precisa estar aberta a esse tipo de prática. Quando se traz o aluno para a discussão, muitas vezes vão surgir falas que a direção não gostaria de ouvir”, diz Bruno Ferreira, formado em História e professor de Educação Digital da Escola Municipal Henrique Souza Filho, em São Paulo.

Ferreira ajudou a conduzir os debates virtuais para a eleição do grêmio estudantil na escola, fez a apuração dos votos e o anúncio da chapa vencedora pelo Youtube. No ano passado, a Prefeitura de São Paulo lançou um programa para que sejam criados grêmios em todas as unidades. A Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (SME) contabilizava 139 grêmios em maio. No fim do ano, chegou a 367 grupos. A rede contabiliza um total de 577 escolas.

“Temos exemplos de grêmios mediadores de conflitos antes da pandemia. Também ajudam o professor nesse entendimento com a internet, com a tecnologia que, para eles, é algo tão natural”, diz Rômulo Araújo, da Divisão de Gestão Democrática e Programas Intersecretariais da SME. “Quanto mais a gente escuta o aluno, mais ele melhora a escola”. Um programa da prefeitura coloca R$ 5 mil nas mãos de cada grêmio para que decidam quais ações devem colocar em prática.

Para Paulo Carrano, coordenador do grupo de pesquisa Observatório Jovem da Universidade Federal Fluminense (UFF), uma escola que estimula a participação é essencial para construir uma sociedade democrática, mas, para haver participação efetiva, é preciso que os jovens sejam envolvidos nos processos de decisão. “Muitas vezes eles são chamados a participar, mas percebem que aquilo não vai incidir fortemente sobre a vida cotidiana, o orçamento da escola, a estrutura e o planejamento”.

Carrano acredita que a participação deve ser um eixo estruturante do projeto político da escola e não precisa estar restrita aos grêmios. Também considera importante o envolvimento dos jovens neste momento em que as escolas estão fechadas. “Estamos em isolamento social, mas a comunidade escolar está viva, e o que virá a ser o novo cotidiano vai depender muito das linhas de força que conseguimos articular hoje”.

Outras habilidades

Mais do que os projetos executados na escola, especialistas veem que a participação dos estudantes traz benefícios também no desenvolvimento de habilidades como argumentação e expressão e amplia a capacidade crítica. A empatia, característica de uma boa gestão, também pode ser exercitada. Em escolas particulares de São Paulo, em que o acesso digital não é um problema durante a pandemia, grupos de estudantes se voltam para outros tipos de atividades.

Na Escola Vera Cruz, na zona oeste de São Paulo, por exemplo, alunos de um grupo ligado a ações sociais apoiaram a produção de máscaras e atividades voltadas à educação de jovens e adultos. Também iniciaram um movimento para tornar a escola mais unida durante a pandemia. “No início, a gente achava que não dava para ter a escola sem ir à escola, mas vimos que dá, de um jeito diferente”, diz Olívia Blay, de 16 anos, aluna do 2º ano do ensino médio.

Os estudantes pediram que funcionários do colégio, como professores, trabalhadores da limpeza e também da biblioteca, gravassem vídeos contando como estavam lidando com a quarentena. As gravações eram publicadas em uma página no Facebook, o que estimulava a interação entre toda a comunidade escolar. “É gostoso saber que eles (funcionários) estão com a gente também”, diz Antonio Losada, de 18 anos, colega de Olívia.

No Colégio Pioneiro, na zona sul, alunos de várias turmas colocaram em prática uma ideia que partiu dos professores. No Instagram, convocaram toda a comunidade escolar a fazer 15 minutos de atividades físicas. O tempo de exercício era convertido em doações de alimentos para comunidades vulneráveis. “Senti que me aproximei dos professores e funcionários e criei laços maiores”, afirma Laís Tsutsumi, de 14 anos, uma das responsáveis pela ação.

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