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Governo diz que não há racismo no Brasil, após assassinato de João Alberto em Porto Alegre – Jornal O Globo

BRASÍLIA — Membros do governo negaram, nesta sexta-feira, que o assassinato de um homem negro em um supermercado em Porto Alegre tenha sido motivado por racismo, afirmando, inclusive, que não há esse preconceito no país. As declarações foram dadas pelo vice-presidente Hamilton Mourão e pelo presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo.

O vice-presidente Hamilton Mourão classificou como “lamentável” a morte de João Alberto Silveira Freitas, que foi brutalmente espancado até a morte por dois seguranças brancos, porém disse não ver racismo no caso, porque, de acordo com ele, não há racismo no Brasil.

João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, foi brutalmente espancado até a morte por dois seguranças na saída de um supermercado da rede Carrefour, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Vídeos que circulam em redes sociais mostram ele sendo agarrado pelas costas por um segurança e agredido por outro com diversos socos na cabeça.

João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, foi brutalmente espancado até a morte por dois seguranças na saída de um supermercado da rede Carrefour, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Vídeos que circulam em redes sociais mostram ele sendo agarrado pelas costas por um segurança e agredido por outro com diversos socos na cabeça.

Inicialmente, Mourão afirmou que a equipe de segurança do local estava “totalmente despreparada”:

— Lamentável. A princípio, a segurança (estava) totalmente despreparada para a atividade que tem que fazer — disse o vice-presidente, ao chegar no Palácio do Planalto no início da tarde desta sexta-feira.

Reação:Morte de homem negro agredido em supermercado de Porto Alegre provoca revolta nas redes

Questionado se via racismo no caso, respondeu que isso é algo que tentam “importar” para o Brasil:

— Não. Para mim, no Brasil não existe racismo. Isso é uma coisa que querem importar aqui para o Brasil, não existe aqui.

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Em seguida, reforçou que não vê racismo no Brasil e fez uma comparação com os Estados Unidos.

— Eu digo para você com toda tranquilidade: não tem racismo. Eu digo isso para vocês porque eu morei nos Estados Unidos. Racismo tem lá. Eu morei dois anos nos Estados Unidos. Na minha escola, que eu morei lá, o pessoal de cor, ele andava separado. Eu nunca tinha visto isso aqui no Brasil. Saí do Brasil, fui morar lá, adolescente, e fiquei impressionado. Isso no final da década de 60. Mais ainda:o pessoal de cor sentava atrás no ônibus, não sentava na frente. Então, isso é racismo. Aqui não existe isso. 

Mourão alegou que o que existe no Brasil é a desigualdade social:

— Aqui o que você pode pegar e dizer é o seguinte: existe desigualdade. Isso é uma coisa que existe no nosso país. Nós temos uma brutal desigualdade aqui, fruto de uma série de problemas, e grande parte das pessoas, vamos colocar assim, de nível mais pobre, que tem menos acesso aos bens e às necessidade da sociedade moderna, são gente de cor.

Questionado sobre casos evidentes de racismo, como a agressão a um motoboy em Valinhos (SP) em agosto, Mourão disse que é uma “coisa pessoal”:

— Isso não é uma coisa estrutural, é uma coisa pessoal. Coloquei claramente, eu vi o racismo estrutural (nos Estados Unidos) e vi as pessoas que por falta de educação, ou qualquer outro motivo, tratam as pessoas de forma totalmente não condizente com a vida em sociedade.

O vice-presidente, que se considera indígena, disse que ele é um exemplo de que a sociedade brasileira é “totalmente misturada”:

— Apesar de nós sermos uma sociedade totalmente misturada. É só você olhar a minha lata aqui.

No fim da tarde, o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, endossou a fala do vice-presidente no Twitter. Em uma publicação, Camargo afirmou que o racismo no Brasil é “circunstancial”.

“Não existe racismo estrutural no Brasil; o nosso racismo é circunstancial – ou seja, há alguns imbecis que cometem o crime. A “estrutura onipresente” que dia e noite oprime e marginaliza todos os negros, como defende a esquerda, não faz sentido nem tem fundamento”, escreveu.

A Fundação Palmares foi criada em 1988  para promover os “valores culturais, históricos, sociais e econômicos” vindos da influência negra na formação da sociedade brasileira. Seu presidente, no entanto, é alvo de questionamentos pelo próprio movimento negro por declarações polêmicas.

Vice já falou em ‘branqueamento da raça’

Em 2018, o então candidato Mourão afirmou que seu neto é um “cara bonito” e usou a expressão “branqueamento da raça” para descrevê-lo, após dar uma rápida entrevista ao chegar ao Aeroporto de Brasília.

— Gente, deixa eu ir lá, que meus filhos estão me esperando. Olha, meu neto é um cara bonito, viu ali? Branqueamento da raça — afirmou.

Meses antes, Mourão já havia se envolvido em uma polêmica relativa a questões raciais ao dizer, durante uma palestra, que o Brasil tinha a “indolência” dos indígenas e a “malandragem” dos negros.

Repercussão

A coordenadora nacional do Movimento Negro Unificado (MNU), Iêda Leal, rebateu, nesta sexta-feira, a fala do vice-presidente, Hamilton Mourão,  sobre o assassinato de um homem negro por seguranças brancos em um supermercado de Porto Alegre. Segundo Iêda, a declaração de que “não existe racismo no Brasil” mostra que o país é governado por pessoas “sem caráter” e reforça as condições para que novos crimes contra a população negra aconteçam.

— Estamos diante de uma farsa presidencial. Temos um homem negro morto e o vice-presidente dizer tamanha sandice. Precisamos contar com forças que tenham condições de compreender o Brasil. Tanto ele quanto o presidente deveriam se retirar, eles não entendem e não conhecem o Brasil. Essa declaração só nos deixa mais certos de que o Brasil está nas mãos de gente absolutamente sem caráter— disse.

De acordo com Iêda, esse tipo de declaração reverbera o racismo estrutural da sociedade brasileira e contribui para que novos casos de discriminação aconteçam diariamente no país.

—  Essa declaração vem na contra-mão de tudo que há muitos anos estamos falando. Estamos em 2020 e a população está sofrendo porque existe um racismo estrutural, isso está estudado e comprovado. Essa postura só vai contribuir para perpetuação do racismo na nossa sociedade. A fala não é uma declaração infeliz, é o que ele pensa. E isso não pode estar na cabeça de alguém que ocupa um cargo tão improtante no nosso país. É brincar com a população negra, ameaçada não só pelos racisitas, mas também por essa fala do vice-presidente — criticou.

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