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Shadow

Era uma vez no Jacuri

Afonso Barroso*

Toda vez que saio em busca de assunto para uma crônica, desembarco inevitavelmente em São José do Jacuri. Desço os degraus da mente no largo da Matriz e caminho. Atravesso a ponte que divide a rua de cima com a rua de baixo. Subo a Rua São José, que vai dar no largo de cima. É lá que fica a casa enorme de paredes brancas e janelas azuis onde nasci e passei minha primeira infância.

Entro na casa, e o que vejo hoje é assustador: meu pai, o bom e pacato seu Barroso, está tirando do baú a goiaca que abriga num coldre o revólver Shmith Wesson 32. Pega o revólver, confere se está carregado com as seis balas e sai com ele na mão. (Atenção: o dicionário diz que o nome correto é guaiaca, mas eu estou no Jacuri, e aqui é goiaca, portanto, que o dicionário vá pro raio que o parta).

Carregado de medo estou eu. Fico sabendo que está prestes a ocorrer um duelo. Seu Barroso contra Seu Domício. Explico: as duas famílias são vizinhas, as casas ficam a uns cinquenta metros uma da outra. Esses cinquenta metros correspondem ao grande quintal da casa do Seu Domício, onde a gente costumava entrar pra roubar mangas. Nosso quintal também tem muita manga, mas a manga roubada é mais gostosa, é o que diz o paladar da meninice.

Parece ter havido uma desavença qualquer entre os dois, e acabaram decidindo sair para as vias de fato. Agora vejo seu Barroso plantado no meio da rua, revólver em punho, esperando. Logo Seu Domício também sairá de casa, provavelmente com sua espingarda cartucheira, pronta para disparar no duelo que se avizinha. Penso que a trilha sonora ideal para a cena seria uma música de faroeste espaguete do compositor Enio Morricone. Mas não é hora pra pensar em música. Apavorado, entro no quarto do casal Barroso e pego a arma da minha mãe. É um terço pendurado na cabeceira da cama. Com o terço na mão, me ajoelho diante do oratório e começo a rezar, pedindo a Nossa Senhora que não deixe Seu Barroso dar ou receber tiro.

Não percebo a presença da Guilhermina, a empregada, que me observa e acho que também reza baixinho. Sei que ela vai acabar contando pra todo mundo que me viu rezando alto diante do oratório, mas não faz mal. Eu fiz o que o coração pedia.

Volto de mais essa viagem ao Jacuri informando que o duelo não se consumou, porque Seu Domício não saiu à porta da rua. Certamente foi convencido pela mulher, a boa e religiosa Mestra Inhazinha, de que não valia a pena brigar com Seu Barroso. Melhor seria que os dois mais tarde fizessem as pazes. Não havia motivo pra briga, e muito menos para tiros e morte, cruz credo.

Pois é, meus amigos, viajei. Mas não foi na maionese não. Tudo isso aconteceu de fato. Posso jurar por tudo quanto é santo e com a mão sobre a Bíblia. Tá lá o Jacuri antigo que não me deixa mentir.

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