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‘Debandada’ da equipe de Guedes afeta o mercado e gera incertezas – Valor Econômico

A saída de membros da equipe econômica e a reação de Paulo Guedes ao episódio aumentaram a preocupação de participantes do mercado sobre o compromisso fiscal do governo e reviveram temores sobre a saída do próprio ministro do governo. O Ibovespa fechou em queda, na contramão do exterior e o movimento do câmbio exigiu duas intervenções do Banco Central, que moderaram o ritmo de alta da moeda americana.

Ao fim da sessão, o dólar foi negociado a R$ 5,4507, alta de 0,66%, após tocar R$ 5,4917 no ponto mais nervoso do dia. O Ibovespa caiu 0,06%, aos 102.118 pontos. Na mínima do dia, o índice encostou nos 100 mil pontos. Enquanto isso, em Nova York, o S&P 500 fechou em alta de 1,40%, perto do seu recorde de fechamento. O Dow Jones subiu 1,05% e o Nasdaq avançou 2,13%.

Entre gestores e analistas, a saída de Salim Mattar e Paulo Uebel provocou reações em diferentes direções. Parte do mercado receia um impacto nos compromissos fiscais e no cumprimento do teto de gastos. Outros apostam que o teto será mantido, apesar das demissões. Guedes também teria se animado com o apoio de Rodrigo Maia à manutenção do teto de gastos.

No fim da tarde, o Ministério da Economia também negou que outros dois integrantes estejam deixando o governo: Waldery Rodrigues (Fazenda) e Carlos da Costa (Produtividade, Emprego e Competitividade).

Daniela da Costa-Bulthuis, gestora da Robeco para Brasil, avalia que a pauta econômica do governo se aproxima muito do que foi visto no segundo mandato de Dilma Rousseff, em que a falta de acordos com o Congresso gerou uma paralisia que, no contexto da crise econômica, resultou no impeachment da ex-presidente. “A pauta econômica está perdendo cada vez mais força, a única coisa que o governo conseguiu entregar até agora foi a reforma da Previdência e mesmo assim com bastante falta de articulação política”, analisa.

Na avaliação da gestora, quem sai perdendo muito é Paulo Guedes, que chamou a saída dos secretários de “debandada”, já que ambos eram fiadores da agenda econômica no Congresso. “Não adianta o presidente apenas se alinhar com o Centrão para que a agenda seja tocada, sabemos que é um tipo de aliança difícil porque quando falamos do Centrão não existe fidelidade, só fisiologia”, diz.

Já o economista-chefe do BNP Paribas Brasil, Gustavo Arruda, afirmou que a saída dos secretários não configura em maior risco ao teto de gastos, mas coloca sobre a mesa a percepção de menor urgência das agendas de privatização e da reforma administrativa, que os dois tocavam no governo.

“O governo ainda terá de lidar com as consequências do novo coronavírus na economia e nas finanças públicas. Com isso, outras agendas podem perder um pouco da importância que tinham antes da crise atual”, afirma Arruda. Para ele, não é verdadeira a escolha aparente entre crescer mais com ajuda da política fiscal ou crescer menos, mas com fiscal mais austero. “Com uma dívida que deve encerrar o ano ao redor de 95% do PIB, qualquer opção que leve ao desajuste fiscal por mais um ano será acompanhado por um prêmio de risco maior e incerteza”, diz.

A economista-chefe da ARX Investimentos, Solange Srour, vê na debandada preocupação maior sobre a manutenção do teto de gastos.

“O ministro Paulo Guedes expôs ao presidente necessidade de que ele reforce o papel de teto e do próprio Guedes. Precisou colocar isso de forma bem clara, mostrando que existe uma fragilidade e que, se a opção for pela quebra do teto, Guedes está fora e o presidente correria risco de processo de impeachment”, diz a profissional. “Foi uma última cartada para tentar reverter quadro em favor dele e manter esse arcabouço importante para Brasil.”

Para Fabricio Taschetto, diretor de investimentos da Ace Capital, o cenário não é tão negativo como poderia se temer. Ele aponta o compromisso de Guedes com o governo.

“Se o Paulo Guedes tivesse demonstrado contrariado por alguma razão, eu ficaria mais preocupado porque seria um sinal de que ele poderia também sair. Mas ontem à noite mesmo, o próprio Guedes reforçou o compromisso com o governo e defendeu o teto de gastos”, afirma o profissional. “Parece que está ‘fechado’ com governo. Enquanto o Guedes estiver lá, sabemos que temos guardião do teto e a responsabilidade fiscal”, acrescenta.

Para Ricardo Ribeiro, analista político na MCM, uma eventual demissão de Guedes não parece ser provável neste momento, mas o risco também não foi superado. Ele ressalta que o ministro ainda é visto no mercado como “um fiador importante da política fiscal liberal”. “Até por isso, o presidente Bolsonaro não vai querer trocar de ministro”, explica.

“Quem acabou dando o recado principal foi o próprio ministro Paulo Guedes quando usa a expressão ‘debandada’ e relacionou a possibilidade de impeachment de Bolsonaro à pressão dentro do governo para driblar ou flexibilizar o teto”, afirma o especialista.

“Mais até do que a saída dos secretários, é bom destacar o teor das declarações do Paulo Guedes. Foram declarações duras numa espécie de cobrança pública em cima do presidente Bolsonaro. É um sinal de que está se sentindo acuado no governo e tenta usar do prestigio junto ao mercado para receber um apoio mais explícito do presidente”.

Carlos Kawall, diretor de pesquisa econômica do ASA Investments, aponta que as baixas mais recentes na equipe do ministro da Economia não sinalizam um enfraquecimento generalizado da ampla agenda reformista do governo, mas trazem à luz alguns pontos de decepção.

Uma “surpresa negativa” é a “perda de compromisso” do governo com a reforma administrativa, que levou Uebel, a pedir demissão. Segundo Kawall, parece haver um “anseio maduro” no Congresso para a pauta avançar, mas Bolsonaro resiste em enviar a proposta.

“Nesse sentido, a saída dele [Uebel] é de fato uma coisa lamentável, é um prejuízo sim que deriva da piora da agenda do governo, temos que reconhecer e lamentar”, afirma Kawall. Já o pedido de demissão de Salim Mattar da secretaria de Desestatização, também anunciado ontem por Guedes, traz sinal contrário. “O problema parece ser mesmo o Congresso, não há uma boa vontade. Parcerias e concessões caminham, mas para a venda de ativos parece haver uma grande resistência.”

A segunda “grande decepção”, segundo Kawall, é observar que dentro do governo há pessoas pressionando por algum tipo de artifício capaz de “burlar” o teto de gastos, “que é nosso grande fiador nesse momento de dívida altíssima e juros baixos”, afirma o economista.

Paulo Guedes — Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Paulo Guedes — Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

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