Quando um casamento inicia, você não está na frente de um sacerdote, pastor ou mero agente religioso, nada disto.
Um casamento inicia quando os olhares se cruzam, a mente fica inquieta com aquela presença e os dois personagens se atraem, antes mesmo de compreender os motivos e caminhos desta atração.
É quando as primeiras confidências são trocadas, enquanto os primeiros detalhes da personalidade de cada um vão sendo expostos, é ali que a união começa a se estabelecer.
No início são rascunhos, linhas elaboradas na intensidade daquela sensação única, muitas vezes sentida pela primeira vez, que mesmo que resulte numa imagem rebuscada, ainda assim, tem o esplendor de uma obra de arte completa e magnífica.
Mas ainda são rascunhos e é preciso aperfeiçoar o desenho.
Este é o caminho da transformação daquelas figuras inexperientes e inseguras, em personagens principais, protagonistas de uma história de amor verdadeiro.
É o aperfeiçoamento das linhas, a composição delicada de cada elemento daquela obra, que une o casal no objetivo mútuo de não se separarem mais, de definirem que cada um é a companhia perfeita para trilhar a caminhada desafiadora do futuro.
Mas quando o castelo começa a desmoronar?
O casamento feliz acontece muito antes de seus protagonistas perceberem, quando os mecanismos profundos e desconhecidos que controlam a vida, diante de uma aproximação sintonizada, assumem o controle e o Senhor dos Destinos elabora aquela união como algo abençoado e Divino.
O desmoronar de uma relação também inicia muito antes dele se realizar de fato e o desmoronamento do castelo tem seu início nos pequenos desajustes, nas mínimas incompreensões, nos mais desprezíveis gestos e nas mais insignificantes atitudes.
O que nasce sem percebermos, também morre sem nos darmos conta.
É a energia inicial que acende a chama da relação e é esta chama que leva ao conhecimento, à experimentação da convivência, evoluindo nas etapas naturais, virando um namoro, chegando a um noivado e culminando num casamento, em meio a todas aquelas esperanças e desejos de felicidades plenas.
O que corrói uma relação que nasceu tão intensa e com ares de ser definitiva, já se manifesta muito antes de ganhar o corpo de um problema insuperável, e não é levado em conta, porque normalmente passa despercebido e não tem a conotação de ser relevante.
Ledo engano!
O que pode parecer irrelevante para alguns, pode ser definitivo para outros.
Uma frase, uma postura, um comportamento, uma pequena atitude, que para um pode ter sido casual ou incorporada à sua naturalidade, pode ter o poder de tirar o outro do prumo, desestabilizar suas emoções profundas, expor seus temores e inseguranças, e gradativamente, minar a confiança nos destinos daquela relação.
A semente do amor se planta, se cuida e se preserva.
Quando a semente original é descuidada, as ervas daninhas tendem a tomar conta do jardim, e quando quem tanto ama as flores se dá conta, daquele jardim já resta muito pouco, e as poucas flores que restaram, teimam em manter a chama da vida, em meio aos espinhos e voracidade dos invasores daquele terreno abençoado dos seus sonhos.
A brecha que dá entrada às sementes ruins é a falta de sintonia fina entre o casal, àquelas que vão consumir o espaço, a energia, a vitalidade do jardim da relação.
Na maior parte das vezes, só percebemos o tamanho do mal, quando ele já está estabelecido, e o que mais nos assombra, é que ele germinou, nasceu, criou raízes, se consolidou, ganhou vigor e estrutura, bem diante de todos os nossos sentidos.
Já sabíamos que ele estava ali, se alimentando da energia de nosso casamento, bebendo a água com a qual regávamos com tanto cuidado os nossos encontros, a nossa intimidade, o nosso carinho.
O mal é um agente único e poderoso, que se alastra e se firma nos espaços onde é ignorado.
São as distorções, as rusgas, a falta de flexibilidade, de compreensão, de amizade, que levam à perda de fragmentos importantes de respeito, e quando isto acontece, quando pequenos e leves tremores começam a acontecer, que as bases das paredes do castelo tão cuidadosamente erguido, começam a ruir, primeiro lentamente, para logo em seguida deslanchar e desaparecerem diante de nossos olhos.
É neste momento em que nos percebemos inertes, sem ação, desesperados diante daquilo que não conseguimos compreender, muito menos agir em contrapartida.
O casamento acaba, e com ele acaba um pedaço de nós, uma sensação de frustração e desespero assume a maior parte de nossa compreensão da vida, e quase tudo perde valor.
Porque não prestamos atenção no que era realmente importante?
Porque não notamos que estávamos machucando o outro?
Porque não percebemos que estávamos fazendo falta?
Porque não entendemos que estávamos sufocando?
Porque não falamos?
Porque?
Uma chuva interminável de inexplicáveis “porquês” toma conta de nossa mente e uma escuridão profunda e fria assume o lugar da luz brilhante, intensa e quente que iluminava nossa relação.
O lindo castelo deslumbrante, que vocês construíram com tanto denodo e carinho, preparado especialmente para receber os sonhos da princesa magnífica, que chegou de carruagem para o grande baile de felicidade do príncipe encantado, desmoronou em escombros poeirentos e doloridos.
O esplendoroso jardim onde vocês depositaram as suas sementes de esperança, está agora tomado por plantas e víboras, numa terra estéril para o bem, onde não trafegam mais os pássaros e borboletas da felicidade, e só resta espaço para as criaturas medonhas da tristeza e depressão.