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A Nova Lei do Separatismo na França

Introdução

No livro do Apocalipse encontramos uma imagem muito conhecida e muitas vezes mal compreendida. Trata-se da imagem dos 4 cavaleiros do Apocalipse. Segundo uma interpretação simbólica do texto bíblico, o primeiro cavaleiro seria Cristo que reina e marcha com seu cavalo branco para vencer todos os seus inimigos (tema esse do livro do Apocalipse, isto é, a vitória de Cristo e de sua Igreja contra seus inimigos). O segundo cavaleiro montado em seu cavalo vermelho traz a perseguição violenta com sua espada pronta para sacrificar os cristãos que se mantêm fieis ao vitorioso Jesus Cristo. O terceiro cavaleiro montado em seu cavalo negro traz consigo as limitações financeiras para aqueles que sustentam os princípios de Cristo em suas vidas. O quarto cavaleiro em seu cavalo amarelo traz consigo a morte indiscriminada sob formas distintas.

Qual o sentido de se falar do Apocalipse em um texto que se propõe a explicar uma questão política? Justamente enfatizar a mesma estratégia diabólica de mais de 2000 anos. Se o diabo não consegue destruir os cristãos perseguindo-os de uma maneira violenta, como acontece em muitas regiões desse planeta, ele o faz através do estrangulamento da igreja. Essa é a estratégia empregada na França e na Europa em geral, apesar de vermos decapitações de padres, atentados terroristas contra cristãos e Igrejas incendiadas.

O que é?

Na atualidade, a estratégia de Satanás para acabar com a Igreja de Cristo na França é uma nova lei que se chama « Reforçando o respeito aos princípios da República » (confortant le respect des principes de la République), ou como ficou conhecida pela população – A Lei do Separatismo. Essa lei visa à violência islâmica que tem se multiplicado de maneira exponencial no território francês e que tem chamado a atenção das autoridades. A lei ganhou esse nome, pois os muçulmanos tem a tendência de se separar por não quererem se conformar com os princípios da República. Como, na França, a República é entendida de forma absoluta, um confronto se estabelece.

Essa lei tem como objetivo encorajar os muçulmanos a aderirem aos princípios republicanos e balizar as atividades de seu culto por meio de um controle mais efetivo do Estado sobre as organizações, os recursos financeiros recebidos de países muçulmanos e as atividades realizadas na França. Dessa maneira, o Estado poderia « supervisionar » de maneira mais próxima as atividades nas mesquitas.

Um pouco de contexto

Como isso aconteceria? Na França todas as igrejas, sinagogas ou mesquitas (religiões em geral) precisam se organizar na forma de uma associação cultual – uma associação cuja única função é prestar culto – seria o que conhecemos como personalidade jurídica no Brasil. Dessa forma, todas as Igrejas, sinagogas e mesquitas devem ter um grupo de pessoas que forma o comitê gestor (Le bureau) com presidente, vice-presidente, tesoureiro, secretário e membros. Esse comitê gestor gere todos os aspectos jurídicos, administrativos e financeiros da associação. O comitê gestor é eleito pela assembleia da comunidade por voto secreto e anualmente ele é obrigado a realizar ao menos uma assembleia geral para prestação de contas das atividades realizadas, das responsabilidades e decisões tomadas pelos membros do comitê gestor, apresentação de um orçamento e de um planejamento para o funcionamento da associação no ano seguinte. Todos os procedimentos devem ser lavrados em atas e declarados no departamento das associações na prefeitura de cada cidade onde a associação está cadastrada com seus estatutos, regimentos e autorizações do poder público para funcionamento e gestão financeira. Todas as modificações devem ser notificadas à prefeitura e a cada nova assembleia os documentos precisam ser atualizados.

Dessa forma, a proposta do governo visa aumentar as exigências legais de funcionamento, colocar em prática meios de fiscalização mais rigorosos e dar mais poderes aos prefeitos para avaliarem a pertinência de manter determinadas associações que possam ameaçar a ordem pública. O intuito é controlar as atividades das mesquitas e de seus membros, supervisionar os recursos que essas mesquitas recebem de outros países e dar os meios legais para que um prefeito possa dissolver uma associação se achar por bem. Assim, o Estado conseguiria « sufocar » potenciais terroristas ou mesmo pessoas que promovam o discurso de ódio contra as instituições, fragilizando assim a ordem republicana.

Um pouco de história da relação Igreja e Estado na França

Vale lembrar que é recente a ideia de separação de Igreja e Estado na França. A lei da Laicidade foi promulgada em 9 de Dezembro de 1905 e visa a neutralidade do Estado em relação à Religião em geral, garantindo o espaço devido para seu exercício. Essa lei prevê as diretrizes da liberdade de expressão, de crença e da livre associação. No entanto, a lei foi feita com outra intenção, o de quebrar o monopólio da Igreja Católica na esfera pública. A Laicidade é tão importante na cultura francesa recente que ela está expressa no primeiro artigo da constituição da Quinta República (A república na França já foi refundada 5 vezes desde a Revolução Francesa, em 1789). Essa noção de laicidade francesa é complexa e mereceria um artigo a parte, pois existem hoje ao menos 7 noções de laicidade que são discutidas nos meios político e intelectual, como o sociólogo da religião Jean Baubérot indica.

Dessa forma, a lei da Laicidade de 1905 é capital para todos, pois ela dá origem às associações cultuais, baliza o seu funcionamento e prevê as sanções legais no descumprimento de suas estipulações.

Os entraves da nova lei

O grande problema é que a nova lei vem de encontro a vários princípios da lei da Laicidade de 1905, restringindo o funcionamento das associações de maneira geral. Visando acertar os muçulmanos que devem ter seus direitos garantidos e não podem ser criminalizados, a nova lei acerta em cheio as Igrejas, sobretudo, Protestantes e Evangélicos (na França, Protestante é bem diferente de Evangélico). A liberdade de crença, a liberdade de expressão e a livre associação são restringidos por essa nova lei de 2020.

Três mudanças importantes

A lei da laicidade de 1905 foi escrita num espírito de liberalismo político deixando a responsabilidade da gestão associativa completamente a seus membros, no entanto, essa nova lei promove um controle maior da parte do Estado na vida associativa por meio de uma tutela administrativa.

Outro ponto da lei que fere essas liberdades de base é o aumento da política de supervisão do Estado sobre a vida associativa. Os prefeitos de cada cidade teriam a prerrogativa de fiscalizar e controlar as associações da maneira que melhor lhes parecer. Em um país como o Brasil isso seria certamente algo terrível, mas com pouca implicação prática, devido ao fato da religião cristã ser hegemônica, no entanto, na França onde a maioria não possui religião e são mesmo contrários a religião, uma tal disposição seria interessante para levar ao fechamento de várias instituições eclesiásticas por parte de certos prefeitos desafeitos ao Evangelho. Mais especificamente no contexto francês, esse ponto da lei aumentaria em muito as formalidades legais a serem cumpridas demandando mais tempo, recursos e pessoas, tanto das associações para preparar toda a documentação, quanto dos governos locais para analisar e elaborar os relatórios necessários para as tomadas de decisões. Essa experiência já foi feita nos anos de 1988 e 2007 e se mostrou um fracasso completo, no entanto, o Estado sob administração do Presidente Emmanuel Macron quer retomar essa prática fracassada.

O intuito é fiscalizar os recursos recebidos internacionalmente de países muçulmanos que se servem das mesquitas para financiar terroristas, no entanto, muitas igrejas Protestantes e Evangélicas existem na França graças à ofertas missionarias vindas de países como Estados Unidos e Holanda. Além dos missionários vindos de outros países e que recebem ofertas de seus respectivos países como no caso do Brasil, Chile e outros.

Para fins dessa fiscalização, a nova lei exigiria uma auditoria anual de toda a contabilidade das associações por um órgão credenciado e autônomo, como é feito em grandes empresas que necessitam de certificações de sua contabilidade. Um custo que não poderia ser arcado pelas igrejas, visto que os orçamentos da maioria das igrejas é parco e muitas vezes deficitário. Apesar da França ser um país rico, as igrejas são muito, muito pobres, mal tendo recursos para se manter devido aos vários dispositivos legais a que são submetidas.

A negligência ou o descumprimento deste artigo da lei seria passível de uma multa de 9.000 euros algo em torno de R$ 58.500,00 levando em conta um euro à R$ 6,50.

Enquanto brasileiros podemos ser levados a pensar que algo assim não iria acontecer, no entanto, gostaria de compartilhar a minha experiência, pois ano passado (2020) durante os confinamentos por conta da pandemia, nossa igreja foi fiscalizada contabilmente pelo governo. Graças a Deus que nossa tesoureira fez um excelente trabalho deixando toda a nossa documentação fiscal e financeira em ordem. Na nossa Igreja da cidade de Aix-en-Provence (15 km de Marselha) a fiscalização se deu em 2019 e ela foi multada em 7.000 euros (R$ 45.500,00 levando em conta um euro à R$ 6.50) por conta de erros contábeis em seus balanços.

Um ponto final seria a intrusão do Estado nas questões de ordem particular do funcionamento interno das associações, acrescentando itens e redefinindo funções de modo a homogeneizar as associações, ignorando as especificidades de cada igreja, sinagoga ou mesquita. As associações se tornariam forças de promoção dos princípios republicanos já em seus estatutos, tendo que incluir nestes os princípios republicanos.

A grande questão que se impõe é qual a motivação por trás de todas essas alterações, se as mesquitas em geral não se submetem às leis da República por as julgarem contrárias às disposições do Corão? Dessa forma, 90% das mesquitas não seguem a ordem associativa e não possuem uma tal organização. Elas existem na França de maneira clandestina à lei, pois são associações de fato, mas não de jure. A mudança, no final das contas, não implicaria em absolutamente nada na vida das mesquitas, mas para as Igrejas Protestantes e Evangélicas teria um impacto gigantesco. O Estado já dispõe de mecanismos legais para coibir a escalada da violência extremista muçulmana no território francês. O serviço de inteligência francês já catalogou e supervisiona atualmente os potenciais terroristas no território, aqueles considerados como « Arquivo S » (Fichier S). Atualmente existem em torno de 20.000 nomes nesta classe, pessoas que governo poderia simplesmente deportar e não o faz por várias questões ideológicas.

Vemos também uma ignorância enorme da parte de ministros de Estado que estão encarregados da promulgação desta lei. A ministra Marlène Schiappa, chefe do Ministério da Cidadania, fez uma falsa declaração de modo que essa lei seria positiva para coibir a discriminação que existe entre os « Evengelistas » (ela quis dizer Evangélicos) de exigir um atestado de virgindade de seus adolescentes. Algo que nunca tínhamos visto na história e até agora não sabemos ao certo a origem dessa frase da eminente ministra. Em outra ocasião o Ministro do Interior Gérald Darmanin afirmou em uma entrevista que os Evangélicos são uma ameaça para a República e que não poderia haver nem mesmo um diálogo com eles, pois não são capazes de assinar um termo no qual reconhecem que as leis da República estão acima da lei divina. Uma declaração que revela uma ignorância profunda do Cristianismo em geral e que hierarquiza as leis da República como superiores, mesmo à consciência de cada indivíduo da nação.

Conclusão

Qual a importância dessa reflexão para o Brasil? São várias, mas asseguro que algo semelhante não ocorreria no Brasil, pois a França viveu eventos que o Brasil felizmente nunca experimentou. O funcionamento institucional é muito diferente, mesmo se usamos termos como República, Governo, Estado, Igreja, etc. Entretanto, podemos aprender 4 lições da experiência francesa e que são válidas universalmente.

Primeiramente, devemos abrir nossos olhos e começar a entender que precisamos orar mais buscando em Deus força e sabedoria para viver num mundo quebrado. Dessa forma, querendo Deus, poderemos ver com clareza os desafios missionários atuais, considerando a Europa como um campo missionário estratégico para o desenvolvimento do Reino de Deus. O continente com menor presença cristã atualmente é a Europa. Continentes como África, Ásia e América Latina têm despontado com a presença cristã. Temos a tendência a nos compadecer com campos missionários onde a perseguição violenta aparece, e isso é justo, mas esquecemos do fato que o diabo se utiliza de varias estratégias diferentes para levar a cabo sua missão. Não levamos em conta que mesmo numa Europa civilizada e rica, a violência, a pobreza e a desigualdade social existem e de maneira muito presente. Igrejas são fracas, ministros são decapitados e igrejas queimadas, mas não nos damos conta, pois nossa leitura é enviesada muitas vezes pelas condições sociais.

Além dessas dificuldades acrescente-se o desprezo completo de uma grande parte da população, completamente ignorante com respeito ao que é verdadeiramente o Evangelho formatada pelos princípios Revolucionários. Posso assegurar que uma parcela muito grande, senão a maioria, não sabe quem é Jesus Cristo nem mesmo como figura histórica. Pessoas na Europa nascem, vivem e morrem sem nunca ter escutado falar de Jesus Cristo em nossos dias. Algo inconcebível para nós, mas uma realidade.

Em segundo lugar, saber como o inimigo trabalha na esfera pública nos permite entender melhor nossa condição cristã num mundo quebrado e assim tomar decisões mais esclarecidas e com menos preconceitos. O diabo não aplica sua perseguição de maneira irrestrita em todos os lugares. Em certos lugares, ele se mostra violento e sanguinário, mas em outros ele estrangula e sufoca até a morte, mas o fim é o mesmo, à saber, o fim da Igreja. Rendamos graças a Deus pela liberdade de culto irrestrita que possuímos no Brasil e o ambiente para a promoção de uma igreja forte.

Em terceiro lugar, a experiência francesa deve nos ajudar a desenvolver um senso crítico para evitar disputas ideológicas polarizadas entre dois aspectos políticos. Esse tipo de pensamento binário já foi vivenciado no contexto francês e abandonado. As situações e os desafios na França e na Europa de maneira geral se mostram muito mais complexos do que temos tendência de reconhecer. A realidade social é cheia de nuances que nos exigem uma atitude mais criteriosa e menos visceral. Na Europa, o espírito de torcida (des)organizada não é algo tão corrente, pelo contrário, os movimentos políticos são muito mais sutis, por isso exige-se uma maior racionalidade política biblicamente orientada para responder aos desafios que se apresentam diante de nós. Na França, para se ter uma ideia, a maior força com a qual podemos contar para nos ajudar em questões políticas é sempre a Igreja Católica Romana que é extremamente engajada e muito conservadora, muito mais do que no Brasil. Por outro lado, os Protestantes são historicamente ligados aos partidos de Esquerda, sobretudo, ao Partido Socialista. Tom Jobim disse certa feita que « O Brasil não é para principiantes », mas a França não fica muito atrás.

Em ultimo lugar, mas não em importância, a experiência francesa deve nos servir para aprendermos a como interpretar os eventos que acontecem ao nosso redor e como podemos de maneira sábia buscar colocar em prática o evangelho dando uma resposta clara através de uma reflexão biblicamente orientada. Situações difíceis podem ser usadas para a glória de Deus, por isso podemos encará-las como oportunidades para a transmissão do Evangelho através de uma pregação mais eficaz, buscando levar todo pensamento cativo a Cristo (2Co 10.5,6). Dessa forma, uma reflexão brasileira de uma teologia pública é de suma importância para se preparar aos novos desafios que o século 21 vem nos dando. A Igreja hoje vive no limiar de uma época marcada por grandes mudanças globais e ela precisa se munir de recursos para conduzir a reflexão daqueles que estão alienados do Evangelho e que ainda teimam em opções obsoletas que a história já descartou. Precisamos ser luz para o mundo de trevas expondo a lume as incongruências e fazendo Cristo brilhar diante dos olhos de todos.

Soli Deo Gloria .

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