sexta-feira, maio 3Notícias Importantes
Shadow

A interpretação bíblica – Idade Média

“A Idade Média foi um deserto vasto no tocante à interpretação bíblica.”
“Não houve concepções novas e criativas acerca das Escrituras.” A tradição da igreja ocupava lugar de relevo, juntamente com a alegorização das Escrituras. Na Idade Média, era comum o emprego de encadeamentos — cadeias de interpretações formadas a partir dos comentários dos pais da igreja. A maior parte dos encadeamentos medievais estava baseada nos pais latinos Ambrósio, Hilário, Agostinho e Jerônimo. Normalmente, o início da Idade Média é associado a Gregório, o Grande (540-604), que foi o primeiro papa da Igreja Católica Romana. Ele fundamentava suas interpretações da Bíblia nos pais da igreja. Não é de surpreender que tenha defendido a alegorização nos seguintes termos: “Que são as palavras da verdade se não fizermos delas alimento para a alma? […] A alegoria equipa a alma que está longe de Deus, alçando-a até ele” (Exposição Sobre Cantares).

Vejamos alguns exemplos de sua alegorização: no livro de Jó, os três amigos são os hereges, os sete filhos de Jó são os 12 apóstolos, as 7 000 ovelhas são pensamentos inocentes, os 3 000 camelos são as concepções vãs, as 500 juntas de bois são virtudes e os 500 jumentos são tendências lascivas. Beda, o Venerável (673-734), teólogo anglo-saxão, escreveu comentários que, em grande parte, eram compilações dos trabalhos de Ambrósio, Basílio e Agostinho; além disso, tinham forte caráter alegórico. Segundo o entender de Beda, na parábola do filho pródigo, o filho representava a filosofia mundana, o pai simbolizava Cristo e a casa do pai era a igreja. Alcuíno (735-804), de Iorque, na Inglaterra, também adotou o sistema alegórico. No comentário que elaborou sobre João, ele seguiu os passos de Beda e reuniu os comentários de Agostinho e Ambrósio, entre outros. Rabano Mauro foi aluno de Alcuíno e redigiu comentários sobre todos os livros da Bíblia.

Valendo-se da alegorização, escreveu que as quatro rodas da visão de Ezequiel representavam a lei, os profetas, os evangelhos e os apóstolos. O significado histórico da Bíblia é leite, o alegórico é pão, o anagógico é alimento saboroso e o tropológico é vinho que alegra. Rashi (1040-1105) foi um literalista judeu da Idade Média que exerceu grande influência sobre as interpretações judaica e cristã, dada a ênfase que colocava na gramática e na sintaxe do hebraico. Ele elaborou comentários sobre o Antigo Testamento inteiro, à exceção de Jó e Crônicas. Afirmou que “o sentido literal precisa ser conservado, a despeito de como possa afetar o sentido tradicional”. A denominação “Rashi” foi tirada das primeiras letras de seu nome: Rabino Shilomo [Salomão] bar [filho de] Isaque. Três autores da Abadia de São Vítor, em Paris, adquiriram o mesmo interesse de Rashi pelo aspecto histórico e literal das Escrituras. Esses homens — Hugo (1097-1141), Ricardo (m. 1173) e André (m. 1175) — eram conhecidos como os vitorinos.

Ricardo e André eram alunos de Hugo. A ênfase dos vitorinos no sentido literal das Escrituras foi uma luz brilhante na Idade Média, André discordava de Jerônimo, que afirmara que a primeira parte de Jeremias 1.5 falava de Jeremias, mas a última parte do versículo falava de Paulo. André disse: “Que tem isso que ver com Paulo?”. Ricardo, por sua vez, preocupou-se mais com o aspecto místico da Bíblia do que os outros dois. Bernardo de Claraval (1090-1153) foi um monge proeminente que elaborou inúmeros trabalhos, dentre os quais figuram 86 sermões apenas sobre os dois primeiros capítulos de Cantares! Sua forma de interpretar a Bíblia caracterizava-se por uma alegorização e um misticismo exagerados. Um exemplo disso é que as virgens de Cantares 1.3 eram anjos, e as duas espadas em Lucas 22.38 representavam os aspectos espiritual (o clero) e material (o imperador).

Joaquim de Flora (1132-1202), monge beneditino, escreveu que a época desde a Criação até Cristo foi a era de Deus Pai, que a segunda era (de Cristo até o ano 1260) foi a de Deus Filho, representada pelo Novo Testamento, e que a era futura (a começar em 1260) seria a do Espírito Santo. Joaquim também escreveu uma harmonia dos evangelhos e elaborou comentários sobre diversos profetas. Stephen Langton (c. 1155-1228), arcebispo da Cantuária, sustentava que a interpretação espiritual é superior à literal. Assim sendo, no livro de Rute, o campo simboliza a Bíblia, Rute representa os estudantes e os ceifeiros são os mestres. Foi Langton quem dividiu a VuJgata em capítulos. Tomás de Aquino (1225-1274) foi o teólogo mais famoso da Igreja Católica Romana da Idade Média. Ele acreditava que o sentido literal das Escrituras era fundamental, mas que outros sentidos apoiavam-se sobre este. Como a Bíblia tem um Autor divino (bem como autores humanos), ela tem um lado espiritual.

“O sentido literal é o que o autor pretende transmitir, mas, como o Autor é Deus, podemos esperar encontrar na Bíblia um manancial de significados. […] O Autor das Sagradas Escrituras é Deus, que tem o poder de expressar o que quer dizer não apenas por meio de palavras (como também o homem pode fazer), mas também por meio de elementos. […] Esse significado, que confere sentido aos próprios elementos representados pelas palavras, é chamado de sentido espiritual, que por sua vez se apóia no literal e o pressupõe” (Summa Theologica, 1.1.10). Aquino também considerava os sentidos histórico, alegórico, tropológico (sentido moral) e anagógico (oculto). Nicolau de Lira (1279-1340) foi figura de relevo na Idade Média por ter sido o elo entre as trevas daquela era e a luz da Reforma. Em seus comentários sobre o Antigo Testamento, ele rejeitou a Vulgata e retomou para o hebraico, mas não conhecia grego. Lutero sofreu forte influência de Nicolau.

Apesar de Nicolau aceitar o sentido quádruplo das Escrituras, tão comum na Idade Média, pouca importância lhe dava, enfatizando o aspecto literal. Neste sentido, foi intensamente influenciado por Rashi. João Wycliffe (c. 1330-1384) foi um extraordinário reformador e teólogo, que acentuava fortemente a legitimidade das Escrituras como fonte de doutrinas e de vida cristã. Portanto, contestava a posição tradicional da Igreja Católica. Ele propôs várias regras de interpretação bíblica: a) consiga um texto confiável; b) entenda a lógica das Escrituras; c) compare os trechos da Bíblia entre si; d) mantenha uma atitude humilde, de busca, para que o Espírito Santo possa ensiná-lo (The Truth of Holy Scripture [A Verdade das Sagradas Escrituras], 1377, p. 194-205). Sublinhando a interpretação gramatical e histórica das Escrituras, Wycliffe escreveu que “tudo o que é necessário na Bíblia está contido em seus devidos sentidos literal e histórico”. Ele foi o primeiro tradutor inglês da Bíblia. E chamado de “a estrela-d’alva da Reforma”.

Fonte: A interpretação Bíblica – Meios de descobrir a verdade da Bíblia.
Roy B. Zuck
Tradução de Cesar de E A. Bueno Vieira
edições vida nova.
pags: 48-51

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

× Como posso te ajudar?