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A Crença na Evolução e no Cristianismo, ou o Chamado “Evoteísmo”

Contemporaneamente estamos observando vários cristãos que procuram abraçar duas versões da origem da vida, da humanidade e dos animais – a primeira, defendida pela maioria da academia, postula a evolução de micro-organismos até a configuração complexa contemporânea; a outra, é apresentada como história real pela Bíblia de que a humanidade é definitivamente distinta do reino animal, e procede de um único casal, de personagens históricos – Adão e Eva, também reconhecidos tanto por Cristo quanto pelos apóstolos em seus escritos.

Na defesa da evolução, estes “evoteístas” pronunciam-se de forma bastante assertiva, com o dogmatismo que caracteriza as pessoas que juram pela chamada “ciência”, sem admitir o alto grau de volatilidade e contínuo aperfeiçoamento do conhecimento desta. Normalmente, não apresentam nenhum traço de que estejamos apenas adentrando a leitura de uma opinião ou teoria própria ou de autores. Podemos até admitir que a intenção é nobre – prestigiar as Escrituras, mas quando impedem que elas afetem o nosso entendimento do universo criado por Deus, o meio encontrado para declarar esse prestígio é letal para a alma e para o intelecto.

Assumir como “ciência” ou “fato científico provado” a teoria da evolução e, em paralelo, enaltecer a Palavra de Deus, indicando que seus autores apenas não dispunham do conhecimento científico disponível aos nossos dias, significa ignorar a inspiração verbal e plena da Bíblia e tentar servir a dois senhores, com resultados desastrosos. Na realidade os evoteístas não são grande novidade assim. Conhecidos e assumidos como teístas evolucionistas já se fazem presente há muitos anos, mas, com raras exceções, sempre fizeram parte do campo liberal que descarta a inspiração das Escrituras. Talvez uma dessas mais marcantes raras exceções seja Benjamin B. Warfield (1851-1921), conhecido teólogo reformado, por sua defesa da inspiração e inerrância da Bíblia e contra os exageros místicos que começavam a se imiscuir no campo evangélico, mas que também escreveu vários artigos defendendo as ideias de Charles Darwin (1809-1882).[1] Os evoteístas adoram referenciá-lo como uma âncora que conciliou a visão evolucionista do universo com a fé cristã, mas deliberadamente ignoram várias coisas: (1) Warfield foi praticamente contemporâneo com Darwin (suas vidas se sobrepõem em 31 anos), consequentemente Warfield lidava com uma teoria incipiente e não poderia ter ciência do estrago que o evolucionismo faria nos pilares da fé; (2) acima de qualquer coisa, Warfield era um defensor da Palavra de Deus e sua cosmogonia era, entre outras coisas, a de um Deus criador e de uma criação ex nihilo (do nada), proposições que são contraditadas visceralmente pelos evolucionistas; (3) sua insistência em imiscuir o evolucionismo em meio a uma fé tão sólida apenas provam que ele não era perfeito, mas demonstra a sua incoerência lógica e teológica, apesar de ser brilhante em tantos outros aspectos. Se ele tem que ser seguido, por que não nas defesas que faz dos pilares da fé?

Antes que estes neo-evoteístas surgissem, um cristão defensor da evolução, em nossas plagas, tentou este malabarismo hermenêutico com argumentos semelhantes aos que hoje são utilizados. Escreveu que a conciliação se encaixa em “narrar tão fidedignamente, verdades que só na atualidade a ciência começa a compreender”. Na sequência, o artigo diz: “A Bíblia em nenhum momento refuta a teoria da evolução das espécies, muito pelo contrário, nos relata um processo ordenado, sequencial e compatível com a teoria evolutiva idealizada por Darwin”. No final desse texto, somos relembrados que a Igreja Católica, já se retratou com relação a Galileu Galilei e deixa-nos a seguinte pergunta: “Será que teremos que fazer o mesmo com Darwin”? Possivelmente no sentido de esvaziar possíveis críticas, o artigo ainda traz que “quem acha que a Bíblia refuta Darwin ou que Darwin refuta à Bíblia, não conhece Darwin e não conhece a Bíblia”.[2]

É verdade que os proponentes do evoteísmo não têm uniformidade entre si sobre como vão reconciliar os relatos bíblicos com a “ciência”. (1) Descartar os primeiros capítulos de Gênesis como história, mas aceitá-los como um poema? (2) Introjetar o processo evolutivo nos dias da criação, como apenas uma metodologia divina de chegar à humanidade contemporânea – nesse caso a Queda seria, na realidade, uma ascensão do bruto ao inteligente?  (3) Como exemplo, ainda, de uma terceira tentativa, o artigo acima citado, cujo autor é um médico muito bem qualificado, foi escrito em função de que existe uma abordagem antropológica, nas últimas décadas, fazendo nova leitura do “Homem de Neandertal”, ou, mais especificamente, da raça dos neandertais. Ele faz alusão aos vários artigos publicados que indicam a possibilidade de que os neandertais coexistiram simultaneamente com o chamado homem moderno.

Para explicar essa nova leitura, este autor, em seu texto, apresentou de forma dogmática, os seguintes pontos teológicos:

  1. Que a Bíblia traz DUAS criações, em seu relato. A primeira, seria em Gn 1.27 – representando a raça dos neandertais. A segunda, em Gn 2.7 teria ocorrido APÓS o descanso divino. Esta segunda criação seria referente ao homem moderno.
  2. Na primeira criação teríamos os “filhos dos homens”, descritos em Gn 6.4). Na segunda, teríamos os “filhos de Deus”, também referidos em Gn 6.4. Os problemas do acasalamento entre si seriam devidos à impossibilidade de “gestação bem sucedida no ventre da pequena mulher da espécie moderna”, enquanto o contrário seria possível. Os neandertais teriam desaparecido no dilúvio.

Não afirmamos que todos os evoteístas defenderiam essa terceira tentativa de explicação, mas outras tentativas de estar presentes nos dois campos são igualmente desastradas. E que esta via existe, existe. É uma das tentativas públicas de cristianizar o Darwinismo.

É verdade que a comunidade científica tem reavaliado a posição do Homem de Neandertal na história da humanidade. Anteriormente retratado como uma criatura embrutecida e apresentado em recriações artísticas como um intermediário entre o homem e o macaco, os neandertais, a partir de reestudos realizados nas décadas de 1960 e 1970 pelo próprio Instituto Smithsonian (este próprio, um baluarte de exposições evolucionistas), foram revelados como possuidores de uma civilização extremamente avançada. Possuíam inclusive um sistema de previdência e cuidado com os idosos. Os artefatos arqueologicamente descobertos mostram a capacidade intelectual daquela civilização. As reconstruções artísticas foram rapidamente modificadas para mostrar feições menos animais e mais humanas.[3] Na realidade, todos esses achados e constatações militam seriamente contra a comunidade evolucionista e contra a integridade da teoria da evolução. É, portanto, curioso, que tais aprofundamentos na sociologia dos neandertais sejam trazidos como PROVA da evolução.

Teologicamente falando, será dificílimo encontrar um teólogo dentro da tradição reformada que acate a visão de “duas criações” da humanidade em Gênesis – uma em Gênesis 1 e outra em Gênesis 2. A leitura do texto dentro dos princípios hermenêuticos aceitáveis mostra tão somente a descrição sucinta e sequencial dos passos da criação com um desenvolvimento detalhado do que foi previamente descrito, em Gn 2. Interpretação no mínimo estranha, essa, que postula uma primeira criação dos “filhos dos homens” e uma segunda dos “filhos de Deus”. O que temos em Gênesis, na realidade, é o relato duplo, histórico e veraz, da criação de Adão e Eva – duas perspectivas e detalhes do mesmo evento. Em adição, a historicidade de Adão é um dos pontos chaves da Revelação Bíblica, presente não somente no primeiro livro das Escrituras, mas ao longo dela, culminando com o tratamento dado por Paulo à questão. O Apóstolo desenvolve toda a sua cristologia ancorado na historicidade de Adão. Cristo, personagem histórico, veraz, é apresentado como o “segundo Adão”. A universalidade do pecado e necessidade de redenção da raça humana, está intrinsecamente ligada à historicidade de Adão e das narrativas relacionadas com a queda.

O cristão não precisa ser um cientista nem ter conhecimento científico para avaliar a incompatibilidade do Darwinismo com a Palavra de Deus. A teoria da evolução não se compatibiliza com o caráter histórico e teológico das narrativas. Logicamente existe muito campo para controvérsias legítimas, dentro de uma visão estritamente criacionista, como por exemplo no que diz respeito à idade do universo e à duração dos dias da criação. Entretanto, o evolucionismo é simplesmente uma teoria histórica e teologicamente incompatível com o conteúdo das Escrituras. Além disso, mesmo dentro dos círculos não cristãos, as evidências de um projeto inteligente no universo (ou intelligent design) têm sido reconhecidas e propagadas por vários cientistas. Não são os cristãos que têm que reavaliar Darwin, mas é a comunidade acadêmica. Como já fomos alertados por Michael Behe, se a microbiologia existisse em seus dias, Darwin nunca teria desenvolvido a teoria da evolução para explicar a origem das espécies.[4]

[1] Entre esses, “Charles Darwin’s Religious Life” (1888), “Darwin’s Arguments against Christianity” (1889), “The Present Day Conception of Evolution” (1895), “Creation versus Evolution” (1901), “On the Antiquity and Unity of the Human Race” (1911), e “Calvin’s Doctrine of Creation” (1915).

[2] OLIVIER, C. E. A Corrução do Gênero Humano, in Mediador, novembro de 2002, p. 7.

[3] ALPER, Joe. Rethinking Neanderthals: Smithsonian Magazine, Junho 2003, disponível em: https://www.smithsonianmag.com/science-nature/rethinking-neanderthals-83341003/, acessado em 21.12.2020.

[4] BEHE, Michael J. (1966, 2006). Darwin’s Black Box: The biochemical challenge. New York: Simon and Schuster.

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