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Tudo o que você precisa saber sobre a vacina da Oxford

Eficácia média de 76%, custo baixo em relação às concorrentes, facilidade de logística e de conservação. Essa é a vacina contra a covid-19 desenvolvida pela Universidade de Oxford, que chegou ao Brasil em janeiro após o governo da Índia enviar dois milhões de unidades do produto. O país asiático abriga o Instituto Serum, maior produtor de imunizantes do mundo, e responsável por fabricar a mercadoria. Na terça-feira 23, o Ministério da Saúde (MS) recebeu o segundo lote de doses e passou a distribui-las, com a finalidade de acelerar a vacinação. A mais recente atualização do governo informa que 1,44 milhão de doses da Oxford já foram aplicadas.

A verdade sobre a CoronaVac

Apesar da boa notícia, o processo poderia ter começado muito antes, não fossem problemas técnicos, políticos e diplomáticos. Em 3 de janeiro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) permitiu a importação de um carregamento de vacinas oriundo da Índia e obtido através do consórcio Covax Facility — iniciativa internacional de distribuição de vacinas para países em desenvolvimento. Catorze dias depois, a Anvisa autorizou o uso emergencial do imunizante, junto com a CoronaVac, e em razão da demora para a liberação da Índia, o governador João Doria (PSDB-SP) saiu na frente ao imunizar a primeira brasileira com a vacina chinesa.

Falhas e dúvidas

Em 23 de novembro do ano passado, a AstraZeneca informou que a eficácia do imunizante chegaria a 90%. Contudo, o laboratório passou a ser questionado. O motivo: a eficácia ficou em 90% quando os participantes receberam meia dose da vacina e, um mês depois, uma dose completa. Quando foram aplicadas duas doses completas, também com um mês de diferença entre elas, a eficácia caiu para 62%. A aplicação de metade da dosagem, que resultou em 90% de eficácia, teria sido feita por um equívoco e não comunicada devidamente.

A falha da dosagem foi identificada depois que um integrante do estudo percebeu que os voluntários não estavam tendo uma resposta inflamatória à injeção, levando os pesquisadores a analisar o suprimento da vacina e descobrir que calcularam mal a dose. A AstraZeneca e a Oxford informaram às agências reguladoras do Reino Unido, dos Estados Unidos e da União Europeia e alterações foram feitas para incluir o grupo de meia dose em suas análises. No início deste mês, um estudo publicado na revista científica The Lancet confirmou eficácia média de 76%.

Eficácia em idosos

Em idosos, entretanto, o potencial do imunizante ainda é uma incógnita, sobretudo por ser posto em xeque pelo presidente da França, Emmanuel Macron. Conforme ele, o produto não é recomendado para pessoas acima de 65 anos. A “Anvisa” do país seguiu o chefe do Executivo e manifestou “cautela” com a mercadoria. Isso porque não havia um número suficiente desse público nos estudos — outras empresas, como a Pfizer, incluíram número maior de pessoas idosas no início de seus testes. Portanto, há mais dados disponíveis. Pesquisas sobre isso devem sair nos próximos dias.

Testes em crianças e adolescentes

Na semana passada, a Universidade de Oxford anunciou que deu início aos testes em crianças e adolescentes. O estudo deve determinar os efeitos da vacina em pessoas pertencentes à faixa etária de 6 a 17 anos. Cerca de 300 voluntários estão participando, dos quais 240 receberam doses do imunizante e os outros 60, de meningite.

Intervalo entre dosagens

Outro dado importante é o de que a vacina pode chegar a 82,4% de eficácia se o intervalo entre as duas doses for de 12 semanas ou mais. Em linhas gerais, abre-se a possibilidade de ampliação da cobertura vacinal em um momento de escassez de imunizantes no Brasil.

Um estudo encabeçado por uma universidade escocesa mostrou que, depois de quatro semanas da primeira dose aplicada, a vacina da Oxford reduz em 94% o risco de hospitalização. Já a da Pfizer/BioNTech registrou queda de 85%, segundo a mesma pesquisa. Em idosos com mais de 80 anos, o tombo foi de 81% ao combinar os resultados dos imunizantes. O levantamento colheu informações entre 8 de dezembro e 15 de fevereiro, período em que 21% dos escoceses já haviam recebido a primeira dose dos imunizantes — cerca de 1,14 milhão de vacinas.

Transferência tecnológica e registro definitivo

A Oxford e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) garantiram nesta semana que assinarão, no início de março, o acordo da transferência tecnológica da vacina de modo que ela seja produzida em território brasileiro. Previa-se que a burocracia seria resolvida ainda no ano passado. Todavia, a instituição acadêmica pediu mais tempo com a finalidade de enviar a papelada. Espera-se que, até julho, 100 milhões de doses sejam feitas pela Fiocruz.

Quanto ao registro definitivo, a Anvisa trabalha com expectativa de liberá-lo na segunda semana do mês que vem. O entrave na importação do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), que é matéria-prima para a produção da vacina, atrasou a avaliação feita pela agência, por isso a demora em conceder a certificação cujo pedido foi em janeiro. A diplomação permite que uma vacina seja aplicada amplamente nas pessoas e também comercializada.

A tecnologia por trás do imunizante

Para o desenvolvimento da ChAdOx1 nCoV-19, como é chamada a vacina da Oxford na comunidade científica, foi utilizado o método denominado de vetor viral. Ele faz uso de outro patógeno, semelhante aquele ao qual se pretende combater, junto com proteínas. “Trata-se de uma versão enfraquecida e não replicante de um vírus do resfriado comum, o adenovírus (grupo de vírus que normalmente causam doenças respiratórias, como um resfriado comum), somado a proteínas, com a finalidade de invadir as células humanas”, explicou à Revista Oeste Camila Ramos, doutora em Ciências e professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Outras vacinas fazem uso da tecnologia da Oxford, como a do ebola, da dengue e da MERS, segundo Max Igor Banks Ferreira Lopes, médico infectologista do Hospital Sírio-Libanês. “Além de usar um método conhecido, é uma das que tem mais informações até o momento”, observou. Para ele, trata-se de um fator positivo que deve aumentar as chances de, daqui a um tempo, a eficácia indicada se comprovar, diferentemente dos “deslizes” que ocorreram com a CoronaVac, imunizante chinês do laboratório SinoVac/Instituto Butantan. O imunizante asiático é a maior aposta do governo João Doria na batalha contra o coronavírus.

A novidade da vacina da Oxford está no adenovírus de chimpanzé. “Fizeram essa escolha porque a chance de o ser humano ter tido contato com o vírus do animal é pequena”, afirmou Patrícia Rady Muller, médica infectologista e mestre em Ciências pela Unifesp. “Caso [os cientistas] pusessem diretamente um pedacinho da espícula do coronavírus na corrente sanguínea, as células de defesa iriam englobar a partícula rapidamente e não conseguiriam produzir os anticorpos necessários”, acrescentou a especialista, ao mencionar que a ideia da vacina é dar tempo para que o corpo reaja ao vírus chinês.

Para preparar o sistema imunológico de modo que ele se “lembre” do coronavírus, a vacina da Oxford requer duas doses, com um intervalo de quatro semanas. Entre outros pontos, a vacina não precisa ficar congelada mas sim em temperatura de uma geladeira (2 a 8 graus Celsius) por seis meses. Dessa forma, é mais fácil transportá-la, e o preço cai em comparação às suas rivais. Para termos de comparação, a unidade do imunizante da Moderna (até o momento, o mais caro, e que exige temperatura baixíssima para conservação) custa de R$ 136 a R$ 201. O da Pfizer, R$ 106. O da CoronaVac, R$ 56. O da Sputnik, R$ 54. E o da Oxford, de R$ 16 a R$ 22.

A parceria

O relacionamento entre a Oxford e o Brasil iniciou-se em junho do ano passado, quando a Fiocruz passou a trabalhar com o laboratório AstraZeneca — que ajuda a financiar a pesquisa da instituição britânica. Um mês depois, o presidente Jair Bolsonaro patrocinou o acordo ao assinar uma medida provisória que liberou crédito de R$ 1,9 bilhão. O ato assegurou a aquisição futura de 100 milhões de doses do produto e a transferência de tecnologia para o Brasil. Até aquele momento, o imunizante era o de estágio mais avançado se comparado aos demais.

Isso porque as pesquisas começaram em janeiro de 2020, após o governo da China compartilhar com o Ocidente o código genético do novo coronavírus, que já havia contaminado milhares em Wuhan, em dezembro do ano anterior. Também a equipe britânica responsável pelo imunizante já havia desenvolvido uma vacina para a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS), que se mostrou promissora nas etapas iniciais de desenvolvimento — ela gerou resposta imune por um ano depois de injetada. Esses elementos ajudaram a acelerar os estudos clínicos da Oxford.

Em abril, com o surto do vírus chinês já considerado “pandemia” pela Organização Mundial da Saúde, a universidade deu a largada da primeira fase de testes em voluntários adultos no Reino Unido. Dois meses depois, o processo entrava na terceira etapa, e de modo a turbiná-lo, a instituição conclamou 18 centros de pesquisa em todo o Reino Unido para testar o produto. E, ainda no mês de junho, o Brasil deu start aos ensaios nas dependências da Universidade Federal de São Paulo, com apoio da Fundação Lemann — a entidade financia os testes no país.

Leia também: “O que falta para o SUS funcionar direito?”, reportagem publicada na Edição 47 da Revista Oeste

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