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SP desiste de usar todo o estoque da CoronaVac na aplicação da 1ª dose

O governo de São Paulo abandonou a intenção de usar todo o estoque de CoronaVac disponível no estado na aplicação a primeira dose da vacina contra a Covid-19, sem reservar metade do lote para a segunda dose. O anúncio foi feito nesta sexta-feira (29), em coletiva de imprensa no Palácio dos Bandeirantes.

Segundo o secretário estadual da Saúde, Jean Gorinchteyn, o estado de São Paulo pediu ao Ministério da Saúde garantia de que receberia mais vacinas caso usasse todo o estoque de CoronaVac, mas a pasta não concordou. Por isso, o estado vai reservar a segunda metade do lote para as novas doses, a serem aplicadas em quem já foi vacinado – essa etapa da campanha vai começar em 14 de fevereiro(leia mais abaixo).

“O que foi pleiteado ao ministério é se nós poderíamos utilizar essas doses que foram guardadas para ampliar de forma mais célere a imunização. E que o ministério desse uma garantia de que, naquele prazo da segunda dose, nós teríamos mais vacinas. Isso não foi colocado pelo ministério. Então, por uma questão de segurança, nós mantivemos essas doses guardadas”, disse Gorinchteyn.

Ampolas da vacina Coronavac. — Foto: ALOISIO MAURICIO/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
Ampolas da vacina Coronavac. — Foto: ALOISIO MAURICIO/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

Na quarta-feira (27), SP pediu autorização para usar todo o estoque de CoronaVac disponível por meio de ofício enviado ao Ministério da Saúde. O imunizante é produzido em parceria pelo Instituto Butantan, que é ligado ao governo paulista, e pela farmacêutica chinesa Sinovac.

Além disso, o comitê de profissionais de saúde do governo estadual também defendeu que o intervalo entre as doses, que é de até 28 dias, pudesse ser estendido por até 15 dias adicionais.

No entanto, com a mudança de estratégia, o governo estadual agora diz que vai garantir a aplicação da segunda dose dentro dos 28 dias estabelecidos anteriormente.

“Os profissionais de saúde que no dia 17 de janeiro receberam sua primeira dose, receberão no dia 14 de fevereiro a segunda dose. Então, nós cumpriremos de forma clara os 28 dias para a aplicação da segunda dose de todo o grupo que compõe a fase 1”, disse Regiane de Paula, coordenadora de controle de doenças da Secretaria Estadual da Saúde.

Nesta sexta, o diretor do Butantan, Dimas Covas, criticou a orientação do ministério. O cientista afirma que ainda defende que as doses disponíveis sejam todas empregadas na primeira aplicação.

“Sem polemizar com o Ministério da Saúde, eu pessoalmente não concordo com essa posição de reservar 50% das doses. Acho que isso não é condizente com a gravidade da epidemia. Acho que não é eticamente sustentável. Essa é minha opinião. Acho que há aí uma análise não factual, é uma análise absolutamente burocrática, que não tem levado em consideração a gravidade do momento”, disse o diretor do Butantan.

integrantes do centro de contingência do governo estadual de São Paulo, elencaram prós e contras da mudança de estratégia.

Por um lado, médicos destacam que os estudos não mostram qual é a taxa de proteção oferecida pela primeira dose da vacina. Por outro, defendem que o tipo de formulação da CoronaVac, que é uma vacina de vírus inativado, favorece o espaçamento da segunda dose.

Veja abaixo os principais prós e contras da estratégia proposta pelo governo de SP, segundo especialistas:

Uma das vantagens de utilizar as doses atualmente disponíveis para aplicar a primeira dose seria aumentar o grupo que pode receber a vacina neste momento. Isto porque o governo poderia esperar a liberação das próximas levas da CoronaVac para aplicar a segunda dose no grupo que já recebeu a primeira. Para isso, é preciso considerar quantas doses já foram distribuídas pelo estado de São Paulo.

O governo estadual recebeu inicialmente 1,3 milhão de doses da CoronaVac após a aprovação da Anvisa. Depois, outras 200 mil doses envasadas em SP foram entregues ao estado pelo Butantan. Ao todo, o governo de SP já possui, portanto, 1,5 milhão de doses.

Considerando que, até o momento, apenas metade dessas doses pôde ser distribuída e aplicada na população, já que a orientação do Ministério da Saúde é a de guardar metade do estoque para aplicação posteriores, há ainda cerca de 750 mil doses disponíveis para o estado de São Paulo.

O estado de São Paulo tem cerca de 1,5 milhão de profissionais de saúde, que compõem a maioria dos integrantes do primeiro grupo prioritário, em vacinação desde o dia 17 de janeiro.

A estratégia proposta pelo governo estadual é começar a aplicar essas doses guardadas em pessoas que ainda não receberam a primeira dose. Para isso, a ideia é estender em mais 15 dias o intervalo para o grupo que foi vacinado nas primeiras levas.

Com a extensão do intervalo, o governo precisaria obter doses adicionais da CoronaVac até o dia 1 de março para fazer a segunda aplicação nos primeiros vacinados, já que a vacinação estadual começou em 17 de janeiro.

O governo de São Paulo não apresentou uma previsão de quando as próximas doses envasadas pelo Butantan ficarão disponíveis. No entanto, o Instituto Butantan tem cerca de 3,2 milhões de doses envasadas, rotuladas e embaladas que devem ser liberadas e distribuídas após passarem por um processo de inspeção de controle de qualidade do instituto.

Essas doses devem ser entregues para todo o país, mas, nas últimas remessas, o estado ficou com cerca de 20% a 25% do total nacional, o que corresponderia a 640 a 800 mil doses apenas para São Paulo, número suficiente para vacinar boa parte da primeira leva de vacinados.

A microbiologista Natália Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência, defende que essa estratégia de aumentar o número de pessoas que recebe a primeira dose pode fazer sentido em tempos de pandemia.

“Ninguém ia fazer isso em tempos normais. Mas nós não estamos em tempos normais – é um regime de exceção. Nós estamos vivendo em regime de exceção faz um ano, então nós vamos ter que se virar com o que a gente tem na mão”, avalia Pastenark.

  • Atrasar não altera eficácia

Os especialistas explicam que as vacinas de vírus inativados favorecem a possibilidade de espaçamento entre a primeira e a segunda dose.

“Para vacinas de vírus inativado não é muito crítico [o espaçamento das doses], tem vacinas que a gente pode esperar meses. Mas com essa vacina, especificamente, a gente não sabe quanto tempo pode esperar. Então, se eles estão falando de atrasar uma semana, duas semanas, sei lá, ou até um pouco mais, pode ser que isso não vá afetar muito o resultado final”, diz Denise Garrett, epidemiologista e vice-presidente do Sabin Institute.

Doses da CoronaVac, vacina contra a Covid-19 produzida pela Sinovac em parceria com o Instituto Butantan. — Foto: IGOR DO VALE/ESTADÃO CONTEÚDO
Doses da CoronaVac, vacina contra a Covid-19 produzida pela Sinovac em parceria com o Instituto Butantan. — Foto: IGOR DO VALE/ESTADÃO CONTEÚDO

O coordenador do Centro de Contingência do governo estadual, Paulo Menezes, defende que vacinas que usam vírus inativados já utilizam a estratégia do espaçamento entre as doses.

“Hoje nos calendários vacinais as vacinas semelhantes utilizam essa estratégia de ter um espaçamento entre primeira e segunda dose maior. O que foi utilizado [na CoronaVac], foi feito principalmente em função da necessidade da resposta rápida [do teste] e não de aspectos de efeito de eficácia da vacina”, afirma Menezes.

Por fim, a microbiologista e presidente do Instituto Questão de Ciência, Natália Pasternak, defende que a eficácia, a capacidade da vacina de proteger, não sofreria alterações mesmo com o espaçamento das doses.

“Atrasar não vai alterar a eficácia, não vai perder a validade da primeira dose – não é joga fora e começar tudo de novo – a gente pode atrasar o reforço sem nenhum prejuízo pra eficácia da vacina”, diz Pasternak.

Contras

  • Falta de dados

A epidemiologista e vice-presidente do Sabin Institute, Denise Garrett, alerta para a falta de dados com relação a proteção oferecida pela primeira dose.

“A gente não sabe qual é a proteção que a primeira dose dá sozinha, antes da segunda dose. Então, essa janela. O ideal é que ela não se afaste muito. Então, a gente planejou essa janela para 21 dias. […] Problema para eficácia não tem. O problema é a demora, que justamente deixa as pessoas expostas por mais tempo – só com uma dose que a gente não sabe o quanto protege”, disse Garrett.

O professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), Gonzalo Vecina, reforça que nenhuma das vacinas foi testada sem a segunda dose.

“Quando eu uso todas as doses que eu tenho para vacinar a primeira dose e não guardo a segunda dose eu aumento a minha dose de pessoas vacinadas, mas na expectativa da chegada da dose de reforço. Nenhuma dessas duas vacinas foi testada sem dose de reforço. Portanto, até agora a dose de reforço é mandatória”, disse Vecina.

O coordenador do Centro de Contingência do governo estadual, Paulo Menezes, defende que há dados que demonstram que mesmo com uma dose da vacina é possível obter um número elevado de anticorpos.

“Nós entendemos que há dados sobre a fase dois que mostram que mesmo com uma dose se obtém um nível de anticorpos bastante alto e isso vai ser complementado com dados da fase três”, disse Menezes.

O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, argumenta que também há dados que comprovam que o prazo de 28 dias entre as doses pode ser estendido sem problemas.

“Com relação a estudos clínicos, sim, existem dados. A recomendação para voluntários idosos, o esquema 0/28 [intervalo de 28 dias] é o melhor esquema. Com resultado de eficácia geral superior a 70%. A segunda recomendação, é que o prazo de 28 dias pode ser estendido, sem problema nenhum, até por mais 15 dias. No estudo tiveram alguns casos que tiveram essa vacinação e não houve nenhum problema do ponto de vista da resposta imunológica”, disse Covas.

  • Risco de mutação do vírus

A possibilidade de favorecer mutações mais resistentes do coronavírus foi citada como um risco da expansão do intervalo entre as doses pela epidemiologista Denise Garrett.

Para a especialista, ao aumentar o contingente de pessoas vacinadas apenas com a primeira dose, surge o risco de criar cepas mais resistentes do novo vírus, selecionando os vírus “mais aptos” em circulação. Isto porque apenas esses vírus seriam capazes de afetar as pessoas parcialmente vacinadas.

Variante brasileira do coronavírus — Foto: Reprodução/GloboNews
Variante brasileira do coronavírus — Foto: Reprodução/GloboNews

“Há um receio, que é da comunidade científica inteira, que está relacionado às mutações do vírus. O risco é o de que uma vacina que está ali no meio do caminho poderia fazer em termos de selecionar os vírus mais aptos. Isso também é uma preocupação, se isso serviria para estar selecionando essas linhagens que são mais aptas”, explica.

Segundo Garrett, essa preocupação surge porque o vírus está, aparentemente, sofrendo cada vez mais mutações. “Isso é só uma preocupação porque a gente sabe que o vírus está sob uma pressão imunológica grande, e está mutando cada vez mais”, explica.

  • Previsão de entrega de novas doses

Outra preocupação entre os especialistas é o risco de atrasar a aplicação da segunda dose para além do intervalo previsto. Isto porque, segundo eles alertam, falta planejamento por parte do governo brasileiro para garantir doses, o que traria mais segurança em relação a data de entrega das próximas levas.

“Não adianta também dizer que precisa seguir o regime de doses porque, para seguir o regime de doses, tem que ter doses. Não conseguir fazer isso é uma falta de planejamento. A gente sabe que [o governo] só tá nessa situação de ficar falando, de ficar especulando o que que dá pra fazer com uma dose só, por falta de planejamento e por falta disponibilidade de doses”, avalia Natalia Pasternak.

Começou na Base Aérea de São Paulo, no Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, o carregamento do primeiro voo da Força Aérea Brasileira (FAB) que vai distribuir a vacina Coronavac para os estados brasileiros, na manhã desta segunda-feira, 18 de janeiro de 2021. — Foto: FEPESIL/THENEWS2/ESTADÃO CONTEÚDO
Começou na Base Aérea de São Paulo, no Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, o carregamento do primeiro voo da Força Aérea Brasileira (FAB) que vai distribuir a vacina Coronavac para os estados brasileiros, na manhã desta segunda-feira, 18 de janeiro de 2021. — Foto: FEPESIL/THENEWS2/ESTADÃO CONTEÚDO

A epidemiologista Denise Garrett concorda que a necessidade de expandir o intervalo entre as doses revela a falta de planejamento na compra de doses.

“Essa discussão não teria lugar em nenhuma outra situação não fosse a falta de planejamento do Brasil com relação a vacinas, não fosse a situação crítica que a gente está vendo aí, porque não se muda bula de medicamento sem ter dados, isso é receita para desastre”, explica.

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