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Sociedade da conciliação

Reinaldo Lobo*

O Brasil parece não ter cura. Vai ladeira abaixo de crise em crise. Mas sempre acha uma saída provisória, que não é a solução ou a remissão dos sintomas. É um arranjo, com pequenas variações ao longo do tempo, entre os poderosos de sempre. O nome disso é conciliação.

É uma coisa das elites: empresários, banqueiros, latifundiários, banqueiros-latifundiários, industriais do agronegócio, grileiros, burocratas corruptos que amealharam fortuna, militares com poder de barganha, políticos que servem a essas frações, bancadas da bíblia, do boi e da bala, e – não se pode esquecer – boa parte da mídia, que altera informações, edita debates políticos, tudo em nome da “moderação nacional”.

O hábito de “conciliar” e de “moderar” vem de longe, desde o Império, culminando na atual fase de decadência da Nova República, invenção conciliatória para não acabar definitivamente com os restos da Ditadura. O acordo é para acomodar os interesses das classes dominantes, de modo a evitar uma ruptura no sistema de equilíbrio que trouxesse os “de baixo”, com seus interesses divergentes, para o “alto” do comando da sociedade.

Não é por acaso que o tema político do momento é “como evitar a polarização” em 2022. Os conflitos existem desde sempre, como luta de classes, disputas entre facções políticas, lutas entre escravocratas e liberais, conservadores e reformistas, esquerda e direita, mas o importante é varrer esses conflitos para debaixo do tapete e obter o acordo pelo alto, entre os próprios poderosos. A isso chamam de “centro político”, que , na verdade, é uma fórmula para manter tudo como está na hierarquia social.

A chamada “polarização” revela as diferenças entre interesses de classe e esclarece algo que precisa ficar opaco para o Sistema prosseguir operando às cambalhotas. A direita nacional costuma ser ruim de voto e fracassou na tarefa atual de fazer a economia crescer e manejar a crise sanitária provocada pela pandemia. Então, precisa achar uma saída pelo centro-direita que possa tamponar seu fracasso e evitar a ascensão do PT, comprometido em trazer de volta à cena os interesses dos trabalhadores, dos pobres e dos excluídos em geral.

Para isso, a direita conta com a ideologia da moderação e da conciliação, espargida pela classe média branca e até por setores das massas mais pobres, voltadas para o alívio imediato da crise e perdidas na alienação da desinformação programada. As classe médias são as que mais defendem, a serviço dos setores dominantes, a ideologia da conciliação de raça e de classes inaugurada lá atrás por Gylberto Freire e – é preciso dizer – também por Sérgio Buarque de Holanda, que criou o mito do “homem cordial”.

A chamada polarização foi uma criação da mídia conservadora e do governo Bolsonaro, cuja exposição óbvia dos objetivos antipopulares de seu governo e da defesa escancarada dos interesses das classes dominantes, com o arrocho sobre a população trabalhadora, o roubo de seus direitos, o desemprego em massa e a violência genocida de seu presidente.

Agora, as elites tentam achar um candidato que seja seu, sem os “excessos” do neofascismo e capaz de enfrentar a candidatura da esquerda mais se destacada, que é a de Lula. A direita nacional está desesperada. Seu modelo neoliberal de governar afunda evidentemente, não há plano B e, talvez, nem tempo para recuperar prestígio popular antes das eleições de 2022.

O apelo à moderação e à conciliação começa a falhar. Talvez essa seja a sua última chance de vigorar no Brasil, pois não se trata de um pacto que resolva as crises, como ocorreu no Uruguai, na Espanha e em Portugal.

A conciliação é causa de crise, pois inclui poucos setores da vida nacional e não permite um consenso em que as próprias classes trabalhadoras participem do bloco democrático. A estratégia das classes dominantes brasileiras é paradoxal, uma vez que propõe pacificar os conflitos e, ao mesmo tempo, os gera, excluindo o povo e os pobres.

Para uma democracia ser legítima e rotinizar seus efeitos curativos sobre as crises, é preciso haver consenso não apenas entre uma facção ou poucas facções da vida social e política, mas entre a maior parte dos atores da vida nacional, sobretudo os que sustentam a vida do país. Como dizia o ex-presidente uruguaio José Pepe Mujica, para existir democracia de verdade é necessário que o povo se reconheça e faça parte dela.

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