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Sobre o Culto Público em Dias de Pandemia

Eu vejo pessoas afirmando: “É possível manter a fé com templo ou sem templo. Eu posso fazer isso na minha casa, sem precisar ir ao templo. A igreja não é o templo”.

Sinceramente, esse tipo de opinião me deixa indignado e assustado, pois ele revela, de modo cabal, que há um sério problema em nosso discipulado, uma vez que as pessoas demonstram não fazer a menor ideia do que é o culto público no dia do Senhor, qual o seu papel e a sua importância para a vida cristã.

A situação piora quando os mesmos que fazem esse tipo de afirmação, julgam de modo generalizado todos os pastores e demais lideranças, afirmando que a única preocupação daqueles que mantêm os cultos públicos é com o próprio bolso, com o dinheiro das ovelhas. Julgam a todos os pastores como se todos fossem mercenários preocupados com dinheiro e completamente desligados do cuidado e da preservação das vidas das ovelhas.

Falam do cuidado e da preservação da vida como se isso fosse antagônico e irreconciliável com o culto público. Para tais pessoas, muitas delas membros de nossas igrejas, cultuar publicamente é um risco desnecessário. Na verdade, o culto público, para elas, é desnecessário. É menos importante que os seus empregos. É acessório, um apêndice de suas vidas. Falam como se as igrejas não estivessem sofrendo também em razão de não poderem se reunir publicamente. Falam como se as igrejas fossem matadouros. Deixam comentários afirmando de modo peremptório que quem for a um culto já deve ir preparado para morrer.

Mais alarmante ainda, tais pessoas demonstram desconhecer o que é o culto. Parecem não saber o que o próprio Deus pensa a respeito do culto. O Salmo 87.2, falando do ajuntamento solene do povo de Deus nos diz que o Senhor “ama as portas de Sião mais do que as habitações de Jacó”. Desconhecem ainda que o Senhor promete uma bênção especial para o seu culto público: “em todo lugar onde eu fizer celebrar a memória do meu nome, virei a ti e te abençoarei” (Êxodo 20.24b). Ignoram ainda o que de mais extraordinário acontece no culto, que é contarmos com a companhia do próprio Senhor Jesus, não apenas como objeto da nossa adoração, mas também, em razão do seu papel de Mediador, como aquele que nos lidera na adoração ao Pai: “A meus irmãos declararei o teu nome, cantar-te-ei louvores no meio da congregação” (Salmo 22.22; Hebreus 2.12).

Eu fico impressionado por ver que isso parte de ministros do evangelho, de companheiros de caminhada, de irmãos de “armas cristãs”, por assim dizer; por parte daqueles que carregam comigo as insígnias do ministério da Palavra e dos Sacramentos. Eu não menosprezo a dor de ninguém. Eu me condoo com colegas de ministério que têm perdido parentes, amigos e ovelhas por causa da pandemia. Eu mesmo já tive as minhas perdas nesse período. Perdi, inclusive, o homem mais importante da minha vida, aquele que foi o meu pastor ao longo de toda a minha vida.

Eu não condeno os pastores que estão em cidades nas quais a pandemia está descontrolada e o sistema de saúde colapsando e, por esta razão, decidiram fechar as suas igrejas. Não os condeno mesmo. Porém, também não julgo nem condeno aqueles que estão em outros lugares cujas circunstâncias lhes permitem se reunir publicamente com as suas igrejas e que tomam todos os devidos cuidados, inclusive o de marcarem vários cultos ao longo do domingo, desgastando-se ainda mais, para que a igreja possa estar reunida.

Irmãos pastores, levemos as nossas ovelhas às Escrituras, a fim de fazermos também o que tantos servos de Deus fizeram ao longo da história: ensinar as nossas ovelhas a morrer bem. Iain Murray, biógrafo do Pr. Martyn Lloyd-Jones, afirma que em determinada ocasião, já próximo da sua morte, Lloyd-Jones mencionou como “o nosso povo morre bem”. John Flavel, um pastor presbiteriano do passado afirmou que as Sagradas Escrituras “nos ensinam a melhor forma de viver, a forma mais nobre de sofrer, e a forma mais confortável de morrer”. A pandemia nos mostrou que muitas pessoas – muitas mesmo! – em nossas igrejas estão completamente despreparadas para enfrentar a morte.

Ademais, é preocupante que tenhamos chegado a uma situação na qual amamos mais a nossa vida e a nossa segurança do que a glória e a graça de Deus. Há quem diga: “Eu sou cristão. Sou religioso. Mas na atual situação não é momento de nos reunirmos. É momento de cuidarmos uns dos outros, da saúde e da vida uns dos outros”. O salmista Davi afirmou que a graça de Deus “é melhor do que a vida” (Salmo 63.3). Entendemos isto de verdade? Cremos nisto? Aparentemente, não. Não obstante, nada disso significa que possamos ser descuidados e negligentes. A grande questão é: tomar todos os cuidados necessários enquanto desempenhamos aquela que é a atividade mais importante e mais significativa da nossa existência: o culto público a Deus.

Você que lê este breve desabafo pastoral, tente imaginar o que acontece todo domingo, quando todas as igrejas, em todos os lugares, se reúnem publicamente. É apenas uma expressão de religiosidade vazia que pode ser empurrada para a privacidade de nossas casas numa época como esta? Não! Como li em determinado lugar: “O simples fato de seres humanos se reunirem na mesma hora, no mesmo local, com o mesmo propósito ininterruptamente por milênios, nos dá uma noção de que há algo muito diferente nessa celebração”. E como há! Isto não acontece por acaso, mas por causa de um chamado, de uma santa convocação.

Não somos nós que simplesmente decidimos ir ao culto ou se o culto deve acontecer ou não. O culto público não é uma idealização humana. O culto acontece porque Deus convoca o seu povo. Há uma convocação: “Congregai os meus santos, os que comigo fizeram aliança por meio de sacrifícios” (Salmo 50.5). O culto é marcado por Deus, convocado por ele. Assim, o culto nada mais é do que a manifestação física e pública, a cada semana, de que Deus chama o seu povo para se encontrarem pactualmente. O culto público é um testemunho dado pela igreja ao mundo. O culto público é a manifestação pública da glória da graça de Deus em redimir pecadores.

Isto posto, eu lamento profundamente o fato de que, se depender de muitos dos que estão aí, a glória de Jesus Cristo permanecerá sem se manifestar publicamente através da igreja reunida em culto. Se depender de muitos, a terra ficará sem culto público enquanto a pandemia durar.

Na ânsia de preservar a vida, matamos a expressão pública da glória de Cristo.

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