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Quem realmente governa

quem realmente governa
É uma bandeira realmente extraordinária para quem é pago pela população para exercer o trabalho de educador
Foto: Caco Argemi / CPERS/Sindicato

(J.R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 31 de janeiro de 2021)

Logo depois que o coronavírus apareceu na vida diária de São Paulo, junto com a do Brasil e do mundo, o governo perdeu o controle sobre as escolas e o ensino público. Quem realmente manda na área, desde então, não são os barões do governo estadual que aparecem de máscara preta nas entrevistas coletivas para a imprensa — eles falam, mas hoje quem realmente governa as escolas paulistas é o sindicato dos professores, com a cumplicidade de médicos oficiais, burocratas variados e, agora, juízes de direito.

O resultado dessa aberração é que o governo do Estado, um dos campeões nacionais do “distanciamento social” e da “ciência, ciência, ciência”, teve de recorrer ao Tribunal de Justiça (TJ) para devolver às crianças de São Paulo o direito parcial — apenas parcial — de voltar a ter aulas. Esqueça a reabertura das escolas: tudo que a Secretaria de Educação estava pedindo é que voltassem a funcionar 35% das salas, e só a partir do dia 8 de fevereiro. Nada feito. Uma juíza, atendendo ao sindicato de professores paulista, proibiu que as autoridades estaduais alterassem em um milímetro a paralisia atual. Não daria para reabrir pelo menos um terço das escolas? Não, decidiu a juíza. Não dá. Foi preciso que o TJ anulasse a sua decisão.

A principal causa do sindicato, hoje, é manter as escolas fechadas — uma bandeira realmente extraordinária para pessoas que são pagas pela população para exercer o trabalho de educadores. Tão deformada quanto a “luta dos professores” é a decisão de uma juíza que deveria ser a esperança de proteção do poder público para as crianças, grosseiramente agredidas no seu direito a aprender — mas que, em vez disso, se alia aos agressores e mostra um talento especial em atirar nos feridos que não podem se defender.

A juíza atendeu ao sindicato em nome, como disse, do “direito à vida” — repetindo uma bobagem genérica que qualquer “influenciador” de YouTube diz hoje em dia, uma justificativa sem valor jurídico, nenhum traço de vida inteligente e um mínimo de senso de responsabilidade. “Não é possível que as escolas fiquem fechadas e a colônia de rias dos professores continue aberta”, disse o secretário de Educação do governo paulista ao anunciar seu recurso ao TJ. Mas é aí, justamente, que está o verdadeiro centro da questão: o “distanciamento social” se transformou numa anomalia que dá conforto a alguns grupos, todos da elite, em detrimento do interesse da imensa maioria.

Os professores estão ganhando salário integral, há quase um ano, sem ter de sair de casa. Os juízes, nesse tempo todo, despacham sem ir ao fórum. Os médicos, altos funcionários e “conselheiros” de todo tipo que vem a público diariamente para anunciar que a situação está horrível e para dizer “fique em casa” também estão com a vida ganha. Mas em nenhum momento se lembram de um fato indiscutível, nem se importam com ele — para garantir as comodidades de sua vida no mundo on-line, do home office e do delivery, é indispensável que milhões de pessoas não façam “distanciamento social” algum e trabalhem o tempo todo no atendimento de suas necessidades.

Os professores mantêm as escolas fechadas, os juízes dão sentenças em casa, os executivos e similares fazem home office e rodam nas ciclovias, mas é preciso, todos os dias, que 8 milhões de trabalhadores se amontoem nos ônibus e no sistema de metrô e trens urbanos — não é possível promover “aglomeração” maior do que essa — para manter em funcionamento o delivery, os hospitais, a farmácia, o supermercado, os serviços de água corrente, luz elétrica e gás para a cozinha e o banho quente, o conserto do elevador que quebrou e mais um milhão de coisas.

Ninguém, aí, tem “direito à vida”.

Leia também: “Os tecnocatras da pandemia”, artigo de Silvio Navarro publicado na edição 45 da Revista Oeste

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