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Mês da diversidade: por uma sociedade justa, combater preconceitos

Élio Gasda*

O Brasil é um país plural, “tem gente de toda cor, tem raça de toda fé” (Ivete Sangalo), portanto, deveria ser o país exemplo da diversidade, do respeito aos direitos humanos, mas não! “A colonização brasileira não acionou apenas questões raciais e étnicas. A homotransfobia é irmã do racismo. São filhos dos mesmos pais” (Magô Tonhon).

Em 2020, 237 pessoas foram vítimas da homotransfobia: 224 homicídios e 13 suicídios (Relatório: Observatório de Mortes Violentas de LGBTI+ no Brasil). Números subnotificados. A ausência de dados oficiais revela a ausência de ações do Estado no combate a esse tipo de crime.

Mesmo depois da decisão do STF que reconheceu a LGBTIfobia como crime de racismo, o Brasil mantém o 1º lugar no ranking dos assassinatos de pessoas trans no mundo. Foram 175 assassinatos, só em 2020. Todos cometidos contra pessoas que expressavam o gênero feminino em contraposição ao gênero designado no nascimento. Não foram encontradas informações de assassinatos de homens trans ou pessoas transmasculinas (Dossiê dos assassinatos e violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2020/Associação Nacional de Travestis e Transexuais – ANTRA e Instituto Brasileiro Trans de Educação).

Dados da pesquisa indicam que maior parte das vítimas é jovem, entre 15 e 29 anos, negra e pobre. Os crimes, com requintes de crueldade, ocorrem principalmente nas ruas e à noite. As práticas policiais e judiciais se caracterizam pela falta de rigor na investigação, identificação e prisão dos suspeitos. Há ausência, precariedade e deficiência de dados, muitas vezes para ocultar ou manipular resultados; responsabilização das vítimas, que por vezes são tratadas como suspeitas e não queixosas ou testemunhas; não há respeito à identidade de gênero das vítimas; falta representação política para esse grupo e pessoas trans eleitas para cargos públicos não se sentem seguras em sua atividade. As existências LGBT+ desafiam sistemas de poder.

Impunidade! Com o governo Bolsonaro houve um blecaute das políticas públicas para a população LGBTI+ que, na pandemia, ficou ainda mais vulnerável. É uma luta diária! O governo fascista legitima a perseguição. Quanta violência!

Vivemos em uma sociedade cisnormativa cristã que acredita ter competência, conhecimento e moral para determinar o que é ser homem ou mulher. Uma sociedade disposta a matar física e espiritualmente pessoas que se amam, se reconhecem como criação divina. Se Deus nos criou a sua imagem e semelhança somos mais que um corpo sexuado. Todos temos o direito de desfrutar de relações sexuais e amorosas. Os guardiões da família e da palavra de Deus quando negam aos homens e mulheres homoafetivos direitos elementares são preconceituosos. Preconceito e a ignorância também matam, geram depressão e sofrimento psíquico!

Segundo o Magistério católico, é preciso se abrir ao Espírito Santo “à inteligência das escrituras” pois a fé não é “letra morta”, mas sim “Verbo encarnado e vivo” (CIC 108) na história de cada um, de cada uma. Se a fé se constrói na história é preciso acolher, integrar e respeitar a sexualidade como dom de Deus. Homoafetivos, heteros, trans, bi, assexuados, polissexuados, gays, pansexuais, lésbicas, todos são imagem e semelhança do Criador. Agredir o outro em razão de sua identidade sexual e de gênero é agredir sua dignidade de filho de Deus.

As diversidades afetivo-sexuais são uma realidade que a Igreja ainda não compreende. Muitos católicos não foram catequisados para viver o Evangelho. Será que já ouviram falar num tal Jesus? Setores da Igreja introjetam ideias e atitudes que não são de Jesus de Nazaré. Ignoram que é missão de todo cristão viver o amor, o respeito e a misericórdia: “somos todos seres humanos e temos dignidade. Não importa quem és ou como vives, não perdes a tua dignidade” disse o papa Francisco a um ativista britânico.

Jesus não rejeitou pessoa alguma. Num amor sem fronteiras, ofereceu-Se por todas as pessoas sem exceção. Todos os cristãos, independentemente de sua condição sexual, são iguais em direitos. Por causa do sacramento do batismo, todo católico faz parte da Igreja tanto quanto o papa e os bispos. Como não apoiar o ministério inclusivo dos padres que trabalham com as comunidades LGBT+?

Inspirados no Evangelho, lutemos por uma sociedade livre de todos os tipos de preconceitos, onde as pessoas possam ser quem são. Toda pessoa é criada para se realizar existencialmente em comunhão com Deus e com o próximo. Precisamos ver a beleza, a bondade e a verdade divina em cada ser humano. Nascemos autênticos, mas a sociedade nos padroniza.

Que a Igreja ajude a curar tantas feridas e a transformar o preconceito em respeito. Onde há amor, há Deus.

Mas sei que não é fácil assim
Mas vou aprender no fim
Minhas mãos se unem para que
Tirem do meu peito o que é de ruim
E vou dizendo
Tudo vai ficar bem

(Pablo Vittar)

*Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na Faje. Autor de: ‘Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja‘ (Paulinas, 2001); ‘Cristianismo e economia’ (Paulinas, 2016)

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