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Investigados pelo TSE, canais bolsonaristas faturam mais de R$ 15 milhões no YouTube

A decisão do corregedor-geral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luis Felipe Salomão, de suspender a monetização de canais bolsonaristas deve congelar uma quantia milionária arrecadada por produtores de conteúdo considerado ofensivo à democracia e ao sistema eleitoral. Só no YouTube, os 14 canais atingidos pelo despacho da última segunda-feira podem gerar até US$ 2,9 milhões por ano em receitas – cerca de R$ 15 milhões.

A estimativa é feita com dados da Social Blade, ferramenta que gera estatísticas sobre redes sociais e permite análises variadas, como sobre comportamento de seguidores, níveis de interação e previsão de ganhos.

Em um inquérito paralelo ao do TSE, o dos atos antidemocráticos, do Supremo Tribunal Federal (STF), a Procuradoria-Geral da República contabilizou US$ 1,1 milhão obtido por canais bolsonaristas. Esse montante, porém, dizia respeito a alguns canais distintos dos alcançados pela Corte Eleitoral, menores, e considerava receitas de junho de 2018 a maio de 2020.

O dinheiro vem de vídeos que exploram informações falsas ou tiradas do contexto, como no caso da urna eletrônica. Por supostamente revelar informações “secretas e bombásticas”, atraem o interesse de milhões de pessoas. Juntos, os 14 canais na mira do TSE somam 10,1 milhões de seguidores. É quase o triplo dos 3,5 milhões de inscritos no canal oficial do presidente Jair Bolsonaro no YouTube.

O volume de acesso e de interações, as propagandas que aparecem nos vídeos e doações espontâneas de internautas se convertem em dinheiro. O YouTube ainda analisa as determinações do TSE, de modo que as receitas ainda não estão suspensas. Os ganhos exatos auferidos por cada um desses youtubers foram solicitados pelo TSE às plataformas, que têm 20 dias para prestar as informações. Em reunião na Justiça Eleitoral, nesta quinta-feira, 19, representantes das redes sociais se mostraram dispostos a acolher as ordens e a colaborar com providências futuras.

O maior canal bolsonarista afetado é o Folha Política, com 2,5 milhões de inscritos e um ganho que pode se aproximar de US$ 1,7 milhão por ano, segundo a Social Blade. Na conversão,  o valor passa de R$ 5 milhões. Um dos vídeos destacados no relatório policial que baseou o despacho do corregedor da Justiça Eleitoral dá uma versão falsa sobre ataques  de hackers ao TSE. Alega que invasores acessaram “o sistema, a nave mãe, o cérebro, o computador do TSE”.

Nos últimos meses, a urna eletrônica virou o tema preferido de youtubers bolsonaristas. Com a audiência gerada a partir das teorias conspiratórias que o presidente sustenta, os youtubers ganham dinheiro com vídeos que ampliam essas versões falsas ou enganosas.

Alberto Junio da Silva, do canal O Giro de Notícias, tem 1,2 milhão de inscritos e receita estimada em US$ 92 mil, conforme a Social Blade. Em um dos vídeos citados no relatório  da PF ele afirma que o “PT teve acesso às urnas” e sugere um conluio do partido com a Justiça Eleitoral. “Eles (PT) foi o único que tiveram (sic) acesso permitido pelo TSE (em auditoria). Não é estranho?”, afirma. “Se eles não querem colocar o voto impresso é porque aí tem.”

Nos vídeos, Silva exibe na tela, em letras garrafais, o número para que contribuições a ele sejam enviadas via Pix como apoio ao canal. Portanto, por fora do YouTube. Ele se alterna entre ataques ao sistema eleitoral e publicidade contra a calvície.

Os mecanismos para doações são uma preocupação permanente para as autoridades envolvidas no inquérito administrativo aberto pelo TSE a partir da live de Bolsonaro. Esse tipo de entrada, avaliam,  pode mascarar doação ilegal de campanha eleitoral.

Planalto
 

Entre os youtubers afetados, há alguns com acesso ao Palácio do Planalto. Fernando Lisboa, do Vlog do Lisboa, tem vídeos gravados na sede do governo, ao lado do presidente, em que ambos fazem críticas à imprensa. O canal tem 716 mil seguidores e a receita por ano pode chegar a US$ 169 mil, segundo a Social Blade. “Quanto mais se atacam as instituições e o sistema eleitoral, mais proveito econômico os envolvidos obtêm”, disse Salomão.

Emerson Teixeira, o “Professor Opressor”, também disseminou mentiras sobre as urnas conforme o direcionamento político de Bolsonaro. “Estamos diante do maior escândalo da República do Brasil das últimas décadas. O que o Bolsonaro fez ontem na live foi desmascarar toda essa corja que tem aí no  STF e no TSE. A gente tem que brigar para que essas pessoas, Rosa Weber, Barroso e demais agentes do TSE, sejam presos imediatamente”, disse.

A estimativa é a de que o canal renda a ele anualmente até US$ 28 mil, quase R$ 150 mil. O youtuber vem ganhando relevância. Em março, tinha 61 mil seguidores. Hoje, tem 134 mil.

É esse mercado nebuloso que o TSE busca combater com uma resolução que está sendo elaborada. Os temas preferidos pelos youtubers poderiam continuar em debate, conforme as regras das plataformas e as leis brasileiras, mas não servir para enriquecer quem viu no “segmento” uma oportunidade de negócio. Para autoridades, “política e ideologia não podem ser comercializadas”.

Mais do que impor um revés a canais bolsonaristas na internet, o TSE quer limitar a atuação de “mercenários” no debate político. Especialistas concordam que a monetização proveniente das plataformas de redes sociais é uma das mais importantes fontes de financiamento de campanhas de desinformação contra instituições e adversários políticos.

No entanto, a medida exige uma mudança de postura das plataformas. Isso porque elas ganham parte dos valores doados pelas audiências aos produtores de conteúdo. No YouTube, por exemplo, os donos de canais abrem “superchats”, modalidade em que os inscritos podem fazer doações de dinheiro. A rede social fica com 30%.

Suspensão
 

No encontro com as plataformas, também foi mencionada a ideia da resolução que visa suspender, nas eleições, a monetização de canais relacionados à política. Uma outra reunião deve ser marcada nos próximos dias para que o debate seja aprofundado. “Não se trata de censura, nem mesmo perseguição. A forma mais indicada é retirar o incentivo financeiro dos canais listados”, afirmou a delegada Denisse Ribeiro, que lidera as investigações e propôs a suspensão das receitas de canais.

Horas depois da reunião no TSE com representantes das plataformas, nesta quinta-feira (19), o presidente da Corte Eleitoral, Luís Roberto Barroso, fez uma cobrança às empresas. Disse que “dinheiro não é tudo na vida” e que uma “suposta neutralidade” não pode servir para “proveito financeiro do mal”.

Questionado se já começou a cumprir a determinação do Tribunal Superior Eleitoral de repassar para uma conta judicial os ganhos de 14 canais bolsonaristas, o YouTube informou que “reforça o compromisso de permanecer colaborando com o trabalho das autoridades no Brasil e de prosseguir investindo em políticas, recursos e produtos para proteger a comunidade do YouTube de conteúdo nocivo.”

Desde a decisão do TSE, os canais atingidos pela desmonetização vêm criticando o corte na receita que garentem com os conteúdos. Embora a Justiça Eleitoral não tenha imposto nenhuma limitação aos temas que eles abordam em vídeos e lives, os youtubers bolsonaristas se dizem alvo de censura.

Os citados na reportagem foram procurados para comentar por meio os contatos que disponibilizam, mas não responderam diretamente aos pedidos da reportagem. Nas redes sociais, alegam perseguição.

“Agradecemos pelo apoio de nosso público, continuaremos a exercer nosso trabalho, mesmo com o bloqueio de nossos meios de sustento, e buscaremos os meios legais para reverter essa censura”, publicou o canal Folha Política.

Emerson Teixeira, o Professor Opressor, gravou um vídeo em resposta ao TSE no qual declarou que a decisão partiu de “ditadores do STF”. “Não vou me calar, vou tentar publicar os meus vídeos em outras plataformas. Barroso ficou muito bravo com minha última postagem, em que fiz um vídeo dele tendo um pesadelo com os caminhões passando na frente do STF”, disse.

Alberto Silva, do canal O Giro de Notícias, reagiu por meio de uma live em que se disse “perseguido” e atacou a delegada Denisse Ribeiro, da Polícia Federal, autora do pedido da desmonetização. “A delegada não encontrou absolutamente nada nos nossos nomes quando apurou os inquéritos antidemocráticos. A delegada que está pedindo para desmonetizar as pessoas nós precisamos saber quem é ela e o que ela está fazendo”, disse.

O blogueiro Allan dos Santos, do Canal Terça Livre, também tem criticado a decisão do TSE. Em uma nota, citou “nefastas consequências” da medida. “Diante da atual juristocracia que tomou as rédeas do poder e vitima a nação de crises diariamente, o Terça Livre TV aguarda o restabelecimento da vigência da lei e da ordem no Brasil”, diz trecho do texto.

O Jornal da Cidade Online incluiu em todos os conteúdos que publica em seu site uma nota criticando o TSE e pedindo doações via Pix. “Uma decisão sem fundamento, sem qualquer intimação e sem o devido processo legal. Quebraram nossas pernas! Precisamos da ajuda de todos os patriotas”, diz.

O blogueiro Oswaldo Eustáquio também teve o canal afetado pela decisão e reclamou do TSE. “Essa decisão do corregedor (do TSE) viola o artigo 170 da Constituição. É assegurado a todos o exercício de qualquer atividade econômica, independente de autorização (..). Se você olhar os incisos do Art. 170 ele viola também a livre concorrência. Como eu posso ter o meu trabalho como jornalista e, o TSE, por meio de uma medida cautelar, impedir a minha monetização? Isso não faz sentido nenhum, é criminoso”, declarou.

“E digo mais: também fere o Artigo 5º da Constituição, que prevê a liberdade de expressão. Isso que o TSE fez conosco é um grave tipo de censura, tão terrível e tão nocivo à sociedade como (o que ocorre) em regimes ditatoriais, que querem implantar no Brasil por meio de uma ditadura do Judiciário”, disse ele.

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