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Horário de verão volta a ser debatido como alternativa em meio à crise hídrica

Com apenas três justificativas, bastante simples e concisas, o então presidente Getúlio Vargas instituiu pela primeira vez o horário de verão no Brasil há 90 anos, em 3 de outubro de 1931.

Publicado dois dias antes, o decreto de número 20.466 enumerava que a adoção do regime se devia aos fatos de que “a hora de economia de luz no verão pode ser adotada com grande proveito para o erário público”; “a prática dessa medida, já universal, traz igualmente grandes benefícios ao público, em consequência da natural economia da luz artificial”; e “a execução dessa providência consiste apenas em avançar de uma hora os ponteiros dos relógios”.

Então, das 11h da manhã do dia 3 de outubro daquele ano até o dia 31 de março do ano seguinte, todo o território nacional esteve em horário de verão.

Depois disso, até os anos 1980, a medida foi inconstante, com a adoção da mudança ocorrendo de forma esparsa, em anos específicos. Até que, do verão de 1985 ao de 2018, tornou-se praxe – sendo finalmente regulamentada pelo decreto 6.558, de 2008, sob o governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Sem adentrar em justificativas, o texto da lei apenas normatizava que “a hora de verão” deveria ocorrer a partir do terceiro domingo do mês de outubro, até o terceiro de fevereiro. Com uma exceção: “no ano em que houver coincidência entre o domingo previsto para o término da hora de verão e o domingo de Carnaval, o encerramento da hora de verão dar-se-á no domingo seguinte”.

Extinção do horário de verão

Entretanto, o próprio modus operandi da vida contemporânea suscitou argumentos sobre a real eficácia, para os dias atuais, dessa mudança nos relógios. Seja pela atual configuração dos ambientes de trabalho, praticamente independentes da iluminação natural e com aparelhos como ar-condicionado ligados o tempo todo, seja pelas novas tecnologias, com lâmpadas de LED que consomem pouquíssima energia, especialistas passaram a pesar se a economia pequena obtida com a adoção do horário específico valia diante do custo social.

E, no Brasil polarizado dos últimos anos, o embate também chegou à seara política. Ainda na campanha eleitoral, o atual presidente Jair Bolsonaro defendeu extinguir o horário de verão. E realmente o fez, pelo decreto 9.772, de abril de 2019.

O assunto parecia encerrado. Mas, na maior crise hídrica dos últimos tempos, quando qualquer economia parece bem-vinda, o tema voltou à baila. Em setembro, o Ministério das Minas e Energia chegou a solicitar ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) um estudo sobre a medida.

Uma pesquisa recente do Datafolha constatou que 55% dos brasileiros são favoráveis à volta do horário de verão, frente a 38% contrários. Nos bastidores, há pressão de setores do empresariado pela adoção do modelo, frente ao receio de que o Brasil, profundamente dependente de energia oriunda de matriz hidrelétrica, enfrente apagões em breve.

Porém, no último dia do mês de setembro, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, afirmou que o governo não retomará o horário de verão. Em entrevista durante a inauguração de uma termelétrica, ele disse que o mesmo “não se faz necessário”.

Prós e contras

Entre especialistas ouvidos pela DW Brasil, não há um consenso. Para o economista Nivalde de Castro, do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em um cenário de crise energética, “qualquer que seja a redução do consumo ajudará a evitar a necessidade de impor cortes seletivos no horário de maior demanda, justamente ao anoitecer”.

Esse período é considerado de pico porque é quando há uma confluência entre os consumos comercial e industrial – cujas atividades ainda não cessaram – e o doméstico – com a chegada das pessoas a suas casas e o uso de chuveiros elétricos, lâmpadas e aparelhos em geral.

“Nesse momento qualquer redução de demanda é ultraimportante, e o horário de verão permite, em média, uma economia de 3% de consumo de energia elétrica”, afirma o economista.

Já o físico Fábio Raia, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, acredita que a eventual economia proporcionada pelo horário de verão é “irrisória” e não justifica os transtornos sociais causados pela medida.

“Quando o horário de verão foi adotado pela primeira vez, a energia era rara, cara e escassa. E os meios de produção contavam muito com a iluminação natural, as pessoas trabalhavam em fábricas com a luz natural vinda das janelas”, pontua.

“Hoje, a retórica de economizar energia segue válida, mas se tornou algo irrisório. Lâmpadas de LED têm baixíssimo consumo. Casas, lojas e indústrias ficam fechadas, têm vidros escuros, ar condicionado? Dentro desses lugares você nem sabe se é dia ou noite lá fora, nenhum escritório grande trabalha com janelas abertas”.

Raia diz que a questão virou mais um “posicionamento político do que uma discussão energética”. “Economia de energia hoje se faz com outras políticas, de outras maneiras, e não com o horário de verão”, comenta. Ele reconhece, contudo, que a vantagem da adoção do formato ainda existe quando se pensa em deslocar o horário de pico.

Esse é o principal ponto defendido pelo economista Diogo Lisbona Romeiro, pesquisador do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Porque o que acontece é que nesses momentos em que há uma demanda maior, as hidrelétricas precisam funcionar em suas capacidades máximas.

“Como os reservatórios estão muito baixos [por causa da estiagem histórica], esvaziados, as hidrelétricas acabam gastando mais água para gerar o mesmo potencial [de energia], já que com menos queda d’água elas estão menos produtivas”, explica. Ao reduzir esse consumo simultâneo, deslocando o horário de pico, o mecanismo “reduz a ponta, respondendo ao desafio atual que é reduzir o nível de esvaziamento dos reservatórios”.

“Mas o horário de verão não vai resolver [o problema], não vai salvar a crise. [Se restabelecido] seria mais uma medida adicional. Que poderia ter alguma contribuição, ainda que pequena”, enfatiza o economista.

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