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Conheça Moraes de Almeida: Distrito ‘eleito’ para se tornar município no Pará

Realizada junto ao primeiro turno das eleições municipais, consulta popular deu aval para parte de Itaituba (PA) transformar-se em nova cidade

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Vista panorâmica de parte do distrito de Moraes de Almeida | Foto: Reprodução/Wikipédia

A eleição de Carlos Fávaro (PSD) para representar o Estado de Mato Grosso no Senado Federal não foi a única disputa eleitoral deste ano a ir além da escolha de prefeitos e vereadores. Em meio às eleições de 2020, consulta popular aprovou a elevação de um distrito a município no sudoeste do Pará. Atualmente pertencente a Itaituba, Moraes de Almeida poderá se tornar a cidade brasileira de número 5.571. Isso porque, em votação realizada em 15 de novembro, 94% dos eleitores locais decidiram-se pela emancipação. Foram quase 50 mil votos contra menos de 3 mil pela rejeição à proposta.

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Junto ao primeiro turno do pleito municipal, realizado em 15 de novembro, o eleitorado de Itaituba foi convocado a responder a uma questão elaborada pela Justiça Eleitoral. “Você é a favor da divisão do município de Itaituba para a criação do município de Moraes de Almeida?” foi a pergunta em que o “sim” ganhou disparado. A votação não representa a emancipação de forma imediata, mas faz a proposta avançar. Caberá à Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) analisar tal possibilidade. Caso seja aprovada pelo Legislativo estadual, a criação (ou não) de mais uma cidade no Brasil será de responsabilidade do governador Helder Barbalho (MDB). Ele poderá sancionar ou vetar o projeto.

A situação de Moraes de Almeida entrará na fila de propostas similares. Em novembro de 2019, antes da consulta popular realizada em Itaituba, outras 55 localidades do Pará aguardavam por pareceres iniciais dos deputados estaduais, informou o site do jornal O Liberal. Se chancelada por Barbalho, que até agora não se manifestou publicamente a respeito, a divisão territorial fará Itaituba perder cerca de 10% da população administrada atualmente. Segundo o IBGE, o município tem 101 mil habitantes. Desse total, mais de 10 mil estão espalhados pelos 12 mil quilômetros quadrados que compõem o distrito de Moraes de Almeida, destaca o portal G1. No espaço, também estão as bases de duas mineradoras focadas na extração de ouro: Cabral e Eldorado.

“Uma mina de oportunidades chamada Brasil”, reportagem de Cristyan Costa publicada na Edição 38 da Revista Oeste

Viabilidade financeira para a emancipação de Moraes de Almeida

Apesar da presença de mineradoras, ainda não se sabe ao certo a viabilidade financeira para a emancipação de Moraes de Almeida. Essa definição caberá à Comissão de Divisão Administrativa do Estado [do Pará] e Assuntos Municipais da Alepa. Entretanto, sabe-se que custos serão gerados aos pagadores de impostos com o surgimento de mais um município. Uma vez emancipado, Moraes de Almeida poderá contar com até nove vereadores — número máximo de parlamentares permitido pela Constituição Federal para cidades com até 15 mil habitantes. Cada vereador poderá ter salário mensal de R$ 7,5 mil, equivalente a 30% dos vencimentos de um deputado estadual paraense.

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Outros custos

Os custos diretos — e mínimos — de um município não se resumem aos salários brutos dos vereadores e seus assessores. Haverá estruturas (e mais cargos). A começar por prefeito, vice-prefeito, secretários e demais servidores públicos concursados — da prefeitura e da Câmara Municipal. Situação que, independentemente do fim da história a partir do “sim” na consulta popular em Itaituba neste ano, faz o equivalente a 42% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil ser usado com gasto público, apontou o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em relatório divulgado em 2019. “Uma análise do gasto fiscal no Brasil e demais países da região revela grandes ineficiências e desperdícios”, ressaltaram os responsáveis pelo estudo do BID.

“Vereadópolis — Os vereadores e seu universo paralelo”, matéria de capa da Edição 34 da Revista Oeste

Em caso de o distrito tornar-se município emancipado de Itaituba e fixar o número máximo de parlamentares permitido por lei, Moraes de Almeida fará com que seus pagadores de impostos tenham os seguintes gastos somente com os salários de seus vereadores:

  • R$ 67,5 mil por mês;
  • R$ 810 mil por ano;
  • R$ 3,2 milhões por legislatura (quatro anos).

No total, prevendo a criação direta de 400 cargos públicos a partir da emancipação administrativa do hoje distrito, o Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social da Amazônia (Idesa) projetou custos anuais de R$ 22,6 milhões por ano aos cofres do futuro município e do Estado do Pará. O estudo foi realizado em 2018 como parte do material entregue ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE), indica o site de O Liberal. Considerando itens como custeio de órgãos públicos, folha de pagamento e gastos com prestação de serviços, o levantamento era um dos requisitos para a realização do plebiscito.

hélder barbalho - moraes de almeida

Helder Barbalho é o governador do Pará; nos próximos meses, ele poderá sancionar (ou vetar) a elevação de Moraes de Almeida a município | Foto: Divulgação

Na contramão da Economia

A criação de municípios vai contra a proposta defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, desde o início da gestão liderada pelo presidente Jair Bolsonaro. Mentor da Proposta de Emenda à Constituição 188/2019, PEC conhecida por “Pacto Federativo”, ele defende o oposto: a extinção de municípios. Em tramitação no Senado, a proposta prevê a incorporação de cidades com menos de 5 mil habitantes e sem sustentabilidade financeira (ou seja, não conseguem bancar-se sozinhas) a um de seus vizinhos. “Uma transformação do Estado brasileiro [] com a consolidação de uma cultura fiscal, de austeridade e sustentabilidade fiscal”, chegou a defender Guedes, conforme destaca o site Politize!.

Mestre em ciência política pela Universidade Federal do Pará, Dornélio Silva aponta o fato de, em muitos casos, a movimentação em defesa da formação de municípios passar pelo interesse direto de determinados grupos políticos. “Nesse jogo, permite-se que as lideranças locais possam inverter as relações dentro dos espaços territoriais que estão sendo criados”, pontua em contato com o site da Revista Oeste. “Uma divisão de poderes entre as lideranças locais e estaduais”, prossegue o cientista político e sócio-diretor da agência Doxa Comunicação Integrada. Para ele, Moraes de Almeida tem potencial para se encaixar no segundo grupo.

“Há o fator distância, de mais de 300 quilômetros”

“Apenas para exemplificar, um dos caminhos dessa viabilidade econômica são os contratos de concessão florestal. Duas empresas já adquiriram o direito legal de fazer o manejo sustentável de uma área de 362 mil hectares”, afirma Dornélio, com base no estudo do Idesa. Em 2019, o instituto do qual ele é um dos consultores estimou que, caso emancipado, o município de Moraes de Almeida teria potencial de arrecadação superior a R$ 25,7 milhões por ano. “Ainda há o fator distância, de mais de 300 quilômetros. Fica muito difícil os moradores do distrito terem assistência à saúde e educação, principalmente, adequados à realidade”, reforça o cientista político. Destacou, assim, que a distância entre o hoje distrito e o marco zero do município que atualmente integra é similar ao espaço entre as capitais paulista e fluminense, que é de 329 quilômetros.

Um município maior que a Inglaterra

A grande distância entre um distrito e a sede do município não ocorre apenas no caso de Moraes de Almeida. Há outros exemplos no interior do próprio Pará. Com quase 160 mil quilômetros quadrados, Altamira é o maior município brasileiro em território — com área superior à de países como Grécia, Inglaterra, Coreia do Norte, Coreia do Sul, Hungria e Portugal. A ele pertence Castelo dos Sonhos, que detém o título de o distrito do Brasil mais distante de sua sede. Em trajeto por rodovia, o serviço Google Maps indica uma viagem de praticamente 15 horas do distrito até o centro de Altamira. Pelas estradas paraenses, são 970 quilômetros entre um ponto e outro.

A situação de Castelo dos Sonhos, onde a população estimada é superior a 21 mil habitantes, já foi abertamente criticada por autoridades em nível nacional. “Esse distrito de Altamira se encontra engessado economicamente. Impedido de crescer, está fadado ao subdesenvolvimento”, afirmou o então senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) ao ser entrevistado pelo site da BBC Brasil em agosto de 2018. Entretanto, o político tucano não seguiu adiante com um projeto de emancipação no Congresso Nacional, pois não conquistou a reeleição no pleito estadual realizado há dois anos.

Nova cidade, velhos problemas

O distanciamento entre distrito e sede do município não pode ser o único fator a validar projetos de emancipação. É preciso levar em consideração a viabilidade econômica. Caso contrário, um território pode vir a ganhar status de município mas seguir com antigos problemas. É o caso de Pescaria Brava, em Santa Catarina. Emancipado de Laguna desde 2013, o antigo distrito é uma cidade deficitária. Em 2016, por exemplo, 71% dos gastos destinaram-se tão somente ao pagamento dos salários dos servidores públicos. Por quatro anos consecutivos, as contas do município (por ora, o mais novo do Brasil) foram rejeitadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE). Dessa forma, Pescaria Brava é dependente de repasses financeiros dos governos estadual e federal.

“Pescaria Brava nasceu com complicações, como um descontrole na gestão dos recursos, déficits e gastos com o pessoal acima do legal”, afirmou à BBC Brasil em 2018 o auditor Moisés Hoegenn, então diretor de Controle dos Municípios no TCE de Santa Catarina. “Agora, o município vem se reequilibrando, mas de forma ainda tímida”, prosseguiu. Contudo, o reequilíbrio orçamentário citado ainda não ocorreu. No ano passado, Pescaria Brava ganhou espaço no noticiário, como no portal ND+. O motivo não foi nada positivo. Afinal, o município segue gastando mais do que arrecada. Ou seja, é uma cidade que depende do dinheiro que sai do bolso dos pagadores de impostos — de Santa Catarina e dos demais Estados brasileiros.

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