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Assim fica difícil

“Se você é contra Bolsonaro, leva um Doria de brinde; e se você é contra a esquerda em geral, leva um Bolsonaro no pacote”, observou J.R. Guzzo

Bolsonaro

Num mundo mais equilibrado, deveria ser aceitável que o cidadão não gostasse por igual de nenhum deles
Foto: Divulgação/Agência Brasil

(J.R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 23 de dezembro de 2020)

A disfunção da atividade cerebral na política brasileira de hoje, como diriam os psiquiatras nas descrições sobre transtornos de comportamento, nos deixou na seguinte situação: a exemplo das ofertas de pasta de dente, se você é contra Bolsonaro, leva um Doria de brinde; e se você é contra a esquerda em geral, leva um Bolsonaro no pacote. A diferença, e aí vai uma bela diferença, é que a oferta da pasta de dente é opcional — só leva quem quer. Na política, hoje em dia, tornou-se obrigatória. Ou seja: o cidadão tem de levar um Doria se quiser militar na “resistência” ao bolsonarismo, goste ou não goste, e tem de levar um Bolsonaro se não quiser que o PT, ou coisa parecida, volte a mandar no Brasil.

Não parece justo, mas aí é que está — a vida frequentemente não é justa. Fazer o quê? Num mundo mais equilibrado, deveria ser aceitável que o cidadão não gostasse por igual de nenhum deles — já que parece impossível gostar dos dois ao mesmo tempo. Mas o mundo real da política brasileira não é equilibrado. Gente existe de sobra. O complicado é achar um que valha alguma coisa por si próprio — e não porque é, simplesmente, um antídoto contra o outro, ou a única alternativa considerada viável para evitar o chamado “mal maior”.

O resultado é que não se pode fazer quase nada sem sofrer efeitos colaterais. Por exemplo: se o sujeito faz alguma objeção ao fato de que a “vacina do Doria” até há pouco não tinha sido aprovada em nenhum país-estrela do primeiro mundo, ou mesmo do quarto ou quinto, é imediatamente acusado de ser “gado bolsonarista”. Corrupção nas vendas sem licitação por conta da covid? Violação flagrante dos direitos individuais? Transformação do combate à epidemia em operação de marketing? Doria decreta a volta da “fase vermelha” e vai passar as festas em Miami? Não é mais possível apontar qualquer dessas aberrações sem incidir no delito de bolsonarismo explícito.

Qualquer restrição à alguma coisa feita pelo presidente da República, ao mesmo tempo, é automaticamente acompanhada da seguinte praga: “Então vota no Doria” — ou “no Haddad”, o que, francamente, não alivia nada. Assim fica difícil.

Leia também: “Uma seita chamada covid-19”, artigo de J.R. Guzzo publicado na edição n° 39 da Revista Oeste

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