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Advogadas empreendem e apostam na resolução de conflitos corporativos  

Há três anos, as empresárias Carina Abud Alvarenga e Cinthya Soares Okawa criaram a Burithi

resolução de conflitos - entrevista com as advogadas - Carina Abud Alvarenga e Cinthya Soares Okawa - burithi

Empresa se dedica a mediar e a resolver conflitos corporativos | Foto: Canva

Desde 2017, as advogadas Carina Abud Alvarenga e Cinthya Soares Okawa mostram que o Direito pode — e deve — ir além das áreas cível e criminal. Juntas, elas criaram a Burithi, empresa com foco em resolução de conflitos corporativos. Há três anos, as advogadas trabalham para melhorar o ambiente de trabalho de outras pessoas.

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Com a atuação no mercado brasileiro, Carina observa a necessidade do mercado de trabalho nacional evoluir em questões voltadas a conflitos corporativos. Não dar a devida atenção a esse ponto atrapalha o dia a dia da empresa, principalmente nas funções a serem desempenhadas por líderes. “Tenta-se apagar incêndios aqui e ali, resolver pontualmente alguns problemas, mas não se enxerga o processo. Chega-se a gastar mais de 40% do tempo do gestor com esse tipo de situação – desde fofocas até questões mais técnicas”, comenta ela.

Em entrevista ao site da Revista Oeste, as duas advogadas (e empreendedoras) contam como surgiu a ideia de criar uma empresa especializada no segmento, quais são os problemas mais comuns que encontram nas corporações e como a pandemia da covid-19 afetou o cotidiano das relações que marcam o mercado de trabalho. Elas ainda detalham como é empreender no Brasil.

Carina Abud Alvarenga e Cinthya Soares Okawa - burithi - resolução de conflitos

Cinthya Soares Okawa [esq.] e Carina Abud Alvarenga: advogadas especializadas em resolução de conflitos no mundo corporativo | Foto: Reprodução/Experience Club/Instagram

Confira a íntegra da entrevista:

RESOLVENDO CONFLITOS

Formadas em Direito e com atuação na advocacia, quando vocês pensaram em se dedicar a esse segmento de mediação e resolução de conflitos corporativos?

Carina – Foi num momento de repensar não só a carreira, a atuação profissional, mas as relações de uma maneira geral. Por exemplo, muitas questões judicializadas que a gente achava que poderiam ser resolvidas de outra forma. Percebendo isso, buscamos a formação em mediação pelo Instituto Mediativa e depois nos certificamos pelo Program on Negotiation de Harvard.

Cinthya – Trabalhei muito com consultoria e pouco com contencioso, mas percebi que numa mesa de negociação a queda de braço era sempre muito grande. Não se construía um consenso. A gente encontra muito embate dentro dessas salas de reuniões. Deveria ter um outro caminho.

Com a experiência nesse setor, quais são, de modo geral, as falhas mais comuns em empresas no que diz respeito a problemas de relacionamento organizacional?

Cinthya – A gente começou a idealizar a Burithi em 2017. É uma visão um pouco diferente a nossa, pois queríamos levar para dentro das empresas uma forma de comunicação diferente, mais clara, mais construtiva.

“Ainda não há muito espaço para falar sobre relações dentro das empresas”

Carina – Com essa experiência de ser terceiro nas conversas, a gente consegue entrar no ambiente organizacional numa posição neutra, sem ter um lado, para ampliar a conversa e alinhar as expectativas. Ainda não há muito espaço para falar sobre relações dentro das empresas. Você é um profissional, que tem metas, tem um plano de carreira, um objetivo a atingir, mas muitas vezes não tem espaço para falar sobre questões que incomodam, que estão atrapalhando o desenvolvimento do seu trabalho. Não existe nem um diagnóstico da empresa. O resultado disso pode ser percebido no tempo que se gasta gerenciando relações, não tendo técnica apropriada para isso. Tenta-se apagar incêndios aqui e ali, resolver pontualmente alguns problemas, mas não se enxerga o processo. Chega-se a gastar mais de 40% do tempo do gestor com esse tipo de situação – desde fofocas até questões mais técnicas.

Nesse aspecto de problemas que requerem a atuação de vocês, há diferença dependendo do porte da empresa?

Carina – Tem bastante diferença, principalmente porque, geralmente no Brasil, as pequenas e médias empresas ainda têm algum vínculo familiar. Os conflitos, então, giram mais em torno de questões familiares, de posicionamentos diferentes em relação ao negócio, da visão que cada sócio tem da empresa, de cada meta pessoal para o negócio. Muitas vezes não existe uma conversa sobre como tratar dessas questões. As multinacionais já não têm tanto esse aspecto pessoal envolvido, no sentido do que cada pessoa quer para a vida da empresa. É bem diferente.

Qual foi o maior desafio de vocês até o momento como especialistas em resolução de conflitos no ambiente corporativo? Quais foram os obstáculos e os resultados alcançados?

Cinthya – Tivemos uma situação com uma empresa de varejo de alimentação, em que a Burithi foi contratada com a expectativa de que apenas reforçássemos as regras da companhia para os seus funcionários. Não havia abertura para conversa. Num outro caso, com uma grande empresa do setor de saúde, fomos chamadas para ouvir todo mundo, independentemente do nível hierárquico, mas quando começamos a trabalhar ficou claro que a líder queria ter razão. Ela não estava tão aberta ao processo quanto inicialmente parecia. Foram casos bem desafiadores.

“Fica mais fácil evoluir e criar um ambiente muito mais produtivo quando as pessoas estando abertas para o diálogo”

Carina – Quando o conflito envolve hierarquia, e ela sobressai às relações, é difícil fazer qualquer tipo de trabalho. Você não consegue mudar uma situação que não está positiva. Em oposição a isso, a Burithi trabalhou para um escritório de advocacia onde a liderança estava aberta e disposta a trazer a equipe junto para tratar de assuntos complicados. Fica mais fácil evoluir e criar um ambiente muito mais produtivo quando as pessoas estão abertas para o diálogo.

É de se imaginar que, por meio do serviço de vocês, empresas consigam evoluir, mudar suas culturas organizacionais. Quais são as dificuldades e as formas de se conseguir implementar esse tipo de mudança numa companhia?

Carina – É importante ter a intenção de mudar aquilo que não está funcionando. Depois, ter espaço para conversas e espaço para o diálogo, para que as pessoas possam falar, de fato, o que está incomodando, o que não está funcionando. A imparcialidade ajuda nesse momento. Ter alguém de fora da empresa, para levar e trazer informações, alguém que abra a discussão, ajuda muito a mudar uma cultura que, por exemplo, não está aberta à diversidade. A criação de um espaço seguro e confidencial ajuda muito as pessoas a poderem falar sobre aquilo que não está funcionando e, aí sim, poderem fazer combinados diferentes desses que já estavam sendo praticados. Quando se está na empresa como facilitador, ouvindo um lado e ouvindo o outro, você consegue trazer para o centro um acordo com o qual as pessoas se comprometam.

Cinthya – A maior dificuldade que a gente encontra é sempre a de conseguir criar um ambiente confiável, onde as pessoas se sintam confortáveis para trazer aquele assunto que gera o conflito para a mesa e conversar, sabendo que ele vai ser bem gerido, que ele vai ser bem assistido.

Carina Abud Alvarenga - burithi - trabalho

Carina em um dia de trabalho | Foto: Reprodução/Instagram

FATOR PANDEMIA

O Brasil está, oficialmente, em estado de emergência desde março, quando os primeiros casos de covid-19 começaram a ser registrados no país. Nesse período, aumentou a procura pelo trabalho de vocês?

Carina – Aumentou a insatisfação em relação a contratos e combinados pré-pandemia.

Cinthya – Inicialmente, não teve um grande impacto sobre nosso trabalho, mas agora está aumentando a procura.

Mudou o tipo de problema a ser resolvido nas empresas desde o início da pandemia?

Cinthya – Não acredito que tenha mudado. Os problemas são os mesmos. Talvez eles tenham ficado um pouco mais evidentes.

Carina – O fato de as pessoas estarem fora das empresas acabou acirrando algumas questões. Aquelas que você conseguia resolver no cafezinho. A distância complicou alguns temas que já eram problemáticos.

É notório que a economia foi afetada, com os mais diversos segmentos de mercado perdendo clientes e com dificuldades de fechar as contas no azul. Como atuar para resolver conflitos corporativos quando a empresa pode estar, por fatores internos e externos, em conflito econômico?

Carina – A Burithi está atuando numa rede de administração de shoppings, onde muitos contratos de locação estão tendo de ser reavaliados. A relação entre as partes tende a ser duradoura, você não quer acabar com ela, mas precisa negociar. Isso é crítico, é bem difícil.

Cinthya – Como fator interno, tem a questão do home office. Quem precisa e quem não precisa trabalhar remotamente? Como isso vai ser equacionado dentro das empresas?

Justamente sobre o sistema home office. Para o trabalho de vocês, essa disposição ajuda ou atrapalha na mediação e resolução de conflitos?

Carina – Ajuda na medida em que você consegue se reunir com as pessoas onde quer que elas estejam. Mas as pessoas estão vivendo realidades diferentes de pandemia. A Europa está voltando ao lockdown, enquanto no Brasil as coisas estão reabrindo. Isso acaba atrapalhando.

“[Com o home office] o ruído dentro da mesma equipe ou entre equipes parceiras vai atrapalhando”

Cinthya – Quando a gente fala em relações organizacionais, com o fato de cada um estar inserido dentro de uma realidade de home office, o ruído dentro da mesma equipe ou entre equipes parceiras vai atrapalhando. Aquela comunicação feita pelo Zoom, dentro de casa, é prejudicada.

Em meio à pandemia, temos noticiado em Oeste casos de aquisições, fusões e até IPOs no mercado brasileiro. Como a Burithi atua nesses processos?

Cinthya – Numa aquisição ou numa fusão, você junta equipes diferentes, que vêm de empresas diferentes, com culturas diferentes. Em condições normais de pressão e temperatura, isso já é difícil. Na pandemia, você precisa saber qual era a regra de home office da empresa A que agora está junto com a empresa B. Como as equipes vão se conhecer para trabalhar juntas? Nesse momento de fusão ou aquisição, as empresas contratam sempre uma auditoria para cuidar do processo financeiro. Fica para trás essa questão relacional. Quando as empresas ainda estão se juntando, o potencial conflito relacional não aparece tanto, mas ele vai acabar acontecendo. Assim como as empresas, quando vão iniciar um processo de fusão ou aquisição, sempre têm uma auditoria financeira trabalhando nos bastidores, fazendo due diligence, embora ainda seja novidade, é muito interessante ter uma consultoria fazendo due dilligence relacional.

camila e Cinthya - resolução de conflitos

Camila e Cinthya são parceiras para resolução de conflitos corporativos | Foto: Reprodução/Instagram

VERTENTE EMPREENDEDORA

Dentro da própria Burithi, vocês já tiveram que mediar e ajudar a resolver conflitos. Como se deu esse trabalho e como se chegou à resolução?

Carina – É mais difícil trabalhar internamente conceitos que você leva para fora. Quando você não é parte, é mais fácil. Até para nós que trabalhamos com conflitos, às vezes lidar com questões internas é difícil.

Como é, no dia a dia, empreender no Brasil? Quais os conselhos e as dicas que vocês deixam para quem quer ter seu próprio negócio ?

Cinthya – No Brasil, existe uma carga tributária elevada. O arcabouço jurídico, para o empreendedor, é difícil. Tem uma série de burocracias. A dica que a gente deixa é persistir, persistir, persistir. Ser criativo.

“O alinhamento entre os sócios é uma questão que a gente trabalha bastante”

Carina – Tentar ser o mais leve possível. Ter uma rede de parcerias. A globalização te permite ter acesso a aplicativos e plataformas do mundo todo por um custo irrisório. O alinhamento entre os sócios é uma questão que a gente trabalha bastante, até com startups. A falta dele acaba afundando uma empresa. Aqui no Brasil, a gente não tem ainda essa cultura, de fazer o acordo de sócios, de colocar a expectativa de cada um na mesa quando está se formando o negócio. Tem tantas outras dificuldades, que se acaba negligenciando essa questão, que é vital.

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